sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Estado Laico - Isso é Bíblico? (parte 1)


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Não deve ser novidade a informação de que vivemos em um Estado laico (Estado com o "E" maiúsculo significa país), isto é, com ampla liberdade religiosa e não adotando uma religião oficial. A Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil (este é o nome de nosso Estado), assegura a livre crença em território, conforme se lê no Art. 5º, incisos VI e VIII: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei (grifos meus).

Todavia, nosso estudo não se propõe a analisar como nosso Estado lida com isso, mas, sim, se este parâmetro é bíblico, isto é, se possui base na Escritura para um cristão concordar com esta proposta. O propósito de nosso estudo é averiguar se um Estado Laico é coerente com o cristianismo e qual a posição do cristão frente a isso.

Para tanto, vamos analisar cinco pontos: 1. O que é um Estado; 2. Qual é o conceito de laicidade; 3. A Lei natural; 4. A Lei de Deus na vida do cristão; 5. A Igreja e o Estado.

1. O que é um Estado

Os doutrinadores jurídicos, em sua corrente majoritária, reconhecem que para se ter um Estado, é necessário haver três elementos: povo, território e soberania. Um povo sem território para dominar e viver, não pode ser um Estado, pois não haveria como exercer suas leis e diretrizes, afinal, estas se cumprem no tempo e espaço; um povo com território, mas sem soberania, igualmente não poderia subsistir, porque a soberania é justamente o que mune o Estado de poder para legislar de acordo com suas vontades e isto sem qualquer coerção externa. Assim, se verifica cristalinamente a imperiosa necessidade de reunirmos esta tríade de elementos, a fim de podermos ter um Estado.

No entanto, o Estado não é um conceito abstrato, e sim um ente jurídico, um órgão de expressão populacional. Em nosso país, a União é uma pessoa jurídica de direito público interno, ao passo que a República Federativa do Brasil é o Estado Federal, sendo pessoa jurídica de direito internacional. Isto implica dizer que a União é "entidade federativa autônoma em relação aos Estados-membros, Municípios e Distrito Federal, possuindo competências administrativas e legislativas determinadas constitucionalmente" [1], ao passo que o Estado Federal é o todo, compreendido pela União, estados membros, Distrito Federal e municípios. 

Em uma monarquia parlamentarista, por exemplo, o Rei é o chefe de Estado - ele é quem representa o povo em assuntos internacionais; já o governador geral ou primeiro ministro, é o chefe de Governo - ele é quem representa o poder executivo do Estado junto ao povo. Em linhas gerais, enquanto em uma república (nosso caso) o presidente assume o poder de chefia do Estado e do Executivo, em uma monarquia (caso da Inglaterra e outros países), o rei exerce o poder de chefe do Estado e o primeiro ministro de chefe executivo - o rei não pode ser substituído ao bel prazer, ao passo que o primeiro ministro pode ser deposto a qualquer momento (o que não ocorre no sistema presidencialista, exceto nas previsões legais).

A importância desta distinção é devido ao fato de que um Estado não passa a existir misteriosamente, sendo necessário uma série de distinções e elementos dentro dele, a fim de se caracterizar um legítimo Estado e possui representatividade, tanto perante o povo como frente às demais nações.

Um Estado, como vimos, é constituído, primeiramente, de um povo que deseja ser autônomo em alguma parte da terra, não sendo mais servidor de outro Estado. Isto foi o que aconteceu conosco com a Declaração de Independência, proclamada a 7 de setembro de 1822 pelo próprio príncipe herdeiro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, fazendo com que o nosso Estado fosse livre.

Observe a história do Brasil e de como se formou um Estado - o que isto nos lembra? Exatamente: o povo de Israel. A emancipação do povo de Israel e sua posterior soberania sobre determinadas porções de terra, se deu de maneira muito semelhante à ocorrência natural de formação de um Estado. O povo do Senhor foi escravo no Egito por 430 anos (Êx 12.40) e depois rumou à terra prometida: Canaã. O que ocorreu em Canaã foi uma inequívoca concepção de Estado (no sentido tríade como vimos acima, não necessariamente em uma concepção de Estado como conhecemos atualmente), pois os israelitas deixaram de ser subservientes ao Egito e passaram a ter suas próprias leis recebidas pelo Senhor. Havia, então, um Estado israelita, constituído pelo povo do Senhor, com território em Canaã e tendo soberania para legislar dentre de seus limites.

Sabemos, também pela narrativa bíblica, que existiam muitas nações que viviam nos ao redores do povo do Senhor. Constantemente lemos sob as advertências para que o povo de Deus não se enredasse com os tais, pois eles os desviariam do Eterno e atrairiam ira divina sobre si mesmos. Mas há algo mais na Bíblia Sagrada: a firme concepção de que as leis do Senhor eram as melhores, mais puras, mais justas e mais santas que poderiam existir sobre a face da terra. Em outras palavras, o Estado de Israel, afirmava o Senhor, era o melhor lugar para se viver.

Antes de o povo adentrar à terra prometida, Moisés registrou: "Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos que eu vos ensino, para os cumprirdes; para que vivais, e entreis, e possuais a terra que o SENHOR Deus de vossos pais vos dá" (Dt 4.1). Observamos como a bênção da herança estava condicionada à guarda da Lei de Deus no Estado de Israel - "para os cumprirdes; para que vivais". Tão pura, justa e completa era a Lei, que Moisés afirma que coisa alguma deveria ser removida ou acrescentada à palavra recebida do Senhor: "Não acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor vosso Deus, que eu vos mando" (Dt 4.2; 12.32). Para o caso de desejarem desobedecer ao Senhor e seguirem outras leis dos demais povos, era mister que se lembrassem da justa punição que os rebeldes haviam recebido: "Os vossos olhos têm visto o que o Senhor fez por causa de Baal-Peor; pois a todo o homem que seguiu a Baal-Peor o Senhor teu Deus consumiu do meio de ti" (Dt 4.3). Em contrapartida, deveriam se alegrar com a bênção recebida: "Porém vós, que vos achegastes ao Senhor vosso Deus, hoje todos estais vivos" (Dt 4.4). Para afirmar que tais leis não eram advindas de sua imaginação ou conhecimento adquirido na corte de Faraó - e por isso sendo humanas -, Moisés assevera: "Vedes aqui vos tenho ensinado estatutos e juízos, como me mandou o Senhor meu Deus; para que assim façais no meio da terra a qual ides a herdar" (Dt 4.5). Notemos a ênfase: "como me mandou o Senhor meu Deus".

Não bastasse isso, afirma a Escritura que os demais povos, vendo o zelo e temor ao Senhor que os israelitas possuíam, iriam glorificar a Deus: "Guardai-os pois, e cumpri-os, porque isso será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos, que ouvirão todos estes estatutos, e dirão: Este grande povo é nação sábia e entendida" (Dt 4.6). Os demais povos não viviam junto do povo de Israel (embora isso tenha acontecido algumas vezes, mas para desgraça e castigo do povo do Senhor, devido à desobediência), no entanto, ao ouvirem sobre os estatutos do Senhor, teriam seus próprios estatutos como falhos e ineficazes. Não obstante, um dos motivos pelos quais os israelitas deveriam crer na Lei de Deus, era porque quando O invocavam, eram recebidos e tinham suas petições respondidas: "Pois, que nação há tão grande, que tenha deuses tão chegados como o Senhor nosso Deus, todas as vezes que o invocamos?" (Dt 4.7). Por fim, nos é registrado: "E que nação há tão grande, que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que hoje ponho perante vós?" (Dt 4.8).

O Estado de Israel possuía regras e leis firmemente estabelecidas. A Lei do Senhor, conforme vimos, era a melhor lei que poderia existir. Nenhum israelita deveria se deixar seduzir pelo encanto das leis de outros povos. Ninguém deveria ser atraído por uma suposta lei mais benéfica pregada nas nações vizinhas. Este é um ponto deveras importante, porque o Estado de Israel precisava ser soberano sobre si mesmo, de maneira que ninguém intentasse subverter a Lei do Senhor - em verdade, vemos quantas vezes o Senhor castigou, inclusive com morte os que imprudentemente procederam.

Assim, vemos como o Estado de Israel era um modelo para todas as nações. Todas as nações veriam que habitar junto ao Senhor e sob Sua Lei era algo maravilhoso, sublime e abençoado. Nenhum israelita deveria crer que poderia haver algo melhor do que a Lei de Deus, porque "que nação há tão grande, que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que hoje ponho perante vós?" (Dt 4.8).

Ditas estas coisas, podemos fazer nossas primeiras conclusões e dizer que todo aquele que crê ser algo terrível morar junto aos israelitas nos tempos passados do Antigo Testamento, além de pernicioso à alma, é um terrível pecado diante do Senhor. O cristão que olha para o povo de Israel no Antigo Testamento e vê algo de mau na Lei do Senhor, certamente ainda não teve os olhos de seu entendimento abertos (Ef 1.18), pois não pode dizer como o salmista: "Oh! quanto amo a tua lei! É a minha meditação em todo o dia" (Sl 119.97). Ainda mais: afirmamos que todo cristão deveria ansiar por um Estado cristão, pautado pela Lei do Senhor, pois nada pode haver mais justo do que Sua palavra.

Por que podemos dizer isso? Porque o povo de Israel estava proibido de desejar as leis de outros povos, ainda que elas aparentassem ser boas e justas aos seus olhos - vale lembrar que esta foi a causa do pecado ter entrado no mundo: "E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento" (Gn 3.6). Adão e Eva creram que a sugestão de Satanás era mais justa e nobre do que a ordenança de Deus. Desejaremos fazer o mesmo?

Podemos notar, portanto, como a concepção de Estado vai muito além de simplesmente um povo fixado sobre determinado território, pois este é constituído de pessoas que têm vontades, desejos e intenções que desejam ver materializadas. Ninguém que ama a vida, por exemplo, intenta viver em um país onde o aborto é permitido; ninguém que zela pela propriedade privada deseja habitar em um país onde os meios de se defender do injusto invasor sejam tolhidos; ninguém que ame a justiça tem prazer em morar em alguma nação cujos juízes são corruptos e proferem sentenças injustas e imorais. Desta mesma forma, um cristão não deveria ter qualquer desejo de viver em um país onde a Lei de Deus não é a Carta Magna, a Lei Maior, a Constituição e o estandarte. Nenhum cristão deveria se alegrar em ter de jurar fidelidade à bandeira nacional, como temos em nosso país, afinal, nossa bandeira é Cristo!

Muitos pensam que no Estado de Israel só habitavam crentes, o que, porém, é uma inverdade. "Também não oprimirás o estrangeiro; pois vós conheceis o coração do estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito" (Êx 23.9). Vemos como pessoas de outros povos conquistados ou que viessem a morar junto a Israel seriam e deveriam ser bem recebidos, afinal, também carregavam a imagem e semelhança de Deus. No entanto, tais estrangeiros (isto é, que não eram judeus, portanto, gentios) deveriam se conformar à Lei de Deus, sob pena de sofrerem as mesmas sanções: "Uma mesma lei tereis; assim será para o estrangeiro como para o natural; pois eu sou o Senhor vosso Deus" (Lv 24.22).

Notamos, ainda, que embora o estrangeiro vivesse junto, não poderia participar de certos ritos cristãos, o que significa que em um Estado cristão, caso o Senhor um dia intente assim proceder, o fato de um país se declarar cristão e seguidor da lei de Deus, não torna os estrangeiros filhos de Deus e nem os autoriza a tomar da ceia ou dirigir reuniões eclesiásticas, por exemplo. Nitidamente lemos sobre esta diferença: "Esta é a ordenança da páscoa: nenhum filho do estrangeiro comerá dela" (Êx 12.43).

Todavia, nada obstava que o estrangeiro viesse a se converter ao Senhor: "Quando também peregrinar convosco algum estrangeiro, ou que estiver no meio de vós nas vossas gerações, e ele apresentar uma oferta queimada de cheiro suave ao Senhor, como vós fizerdes, assim fará ele" (Nm 15.14). Ao estrangeiro era também dada ampla liberdade de comércio, a ponto de até mesmo empregar servos judeus (Lv 25.47).

Para o caso de alguém crer que o Antigo Testamento não é valido para nós (ainda que vejamos mais para frente este ponto), basta volver para 2 Timóteo 3.16-17: "Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra." De qual Escritura Paulo estava tratando? Ora, certamente que era do Antigo Testamento, pois o Novo Testamento ainda estava sendo escrito! Ademais, Paulo louvou a atitude da mãe e vó de Timóteo, as quais ensinaram o jovem no caminho da Lei de Deus (e isso no Novo Testamento!) - "Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus" (2Tm 3.14-15; 2Tm 1.5).

Portanto, em resumo, o que aprendemos nesta primeira parte, pode ser esboçado da seguinte maneira:

1. Um Estado é constituído por povo, território e soberania;
2. Um Estado vem à existência à partir de um conjunto de acontecimentos;
3. As leis de um Estado são a expressão do próprio povo;
4. A Lei do Senhor é a mais pura, nobre, justa, santa e eficaz que pode existir;
5. Jamais houve um Estado tão magnífico com o Estado de Israel;
6. O cristão deve sentir prazer e alegria na Lei de Deus;
7. O cristão deve lutar por um país segundo a Lei de Deus;
8. Um Estado cristão é compatível com não cristãos convivendo nele.

Por fim, alguém pode advogar que em um Estado cristão, somente os cristãos iriam seguir a Lei de Deus, afinal, ela foi feita exclusivamente para eles. Não é isso, contudo, que ensina a Escritura: "Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente; Sabendo isto, que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas, Para os devassos, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e para o que for contrário à sã doutrina, Conforme o evangelho da glória de Deus bem-aventurado, que me foi confiado" (1Tm 1.8-11 - grifo meu).

Em breve, a parte 2 de nosso estudo: Qual é o conceito de laicidade.

Notas:

3 comentários:

  1. É o que de fato acredito. O laicismo é uma extensão de um liberalismo, onde dizem que as Escrituras não tem plenamente diretrizes para todos os homens, só se forem cristãos. Esta é um conclusão minimista dos valos morais que Deus e que podem ser considerados parte da sua revelação geral.

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  2. Hum mt bom , me ajudou mt mas fiquei numa duvida , o justo que Paulo fala é os justificados pela fé no Messias ?

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