Vivemos tempos indecisos na política e esta tem perdido a cada dia sua credibilidade. Tempos de trevas também abundam o judiciário, o qual é comprado e/ou profere decisões totalmente absurdas. O legislativo, então, não merece sequer comentários. E diante de tanta bagunça e desilusões com os poderes de nossa república, não poderíamos esperar que os mesmos sejam qualquer referência de moralidade, legalidade ou licitude para nós.
Todavia, ainda é o nosso Judiciário que julga as demandas levadas até ele e é o que acontecerá muito em breve (em verdade, hoje mesmo, se tudo ocorrer dentro do planejado), com um caso onde um usuário de drogas foi pego com uma pequena quantidade. Em resumo, o Supremo Tribunal Federal (STF) - órgão máximo no Judiciário brasileiro -, irá decidir se portar uma pequena quantidade de droga para consumo próprio, continua ou não sendo crime. O STF já julgou inúmeros processos envolvendo drogas, mas ao que tudo indica, o que está pautado para hoje, será o primeiro que envolverá determinado artigo da Lei Antidrogas, o qual poderá ser considerado inconstitucional, por violar liberdades individuais, não ferir a moralidade pública e outras coisas mais.
Independente da decisão que os ministros do STF prolatem, como cristãos, temos interesse em, primeiramente, saber o que a Bíblia nos diz sobre este assunto de punição ao usuário de drogas. Vamos ser objetivos em nossa análise.
A Escritura revela que existem inúmeros pecados que devem ser punidos pelo magistrado civil. Bem, mas o que é pecado? João nos responde: "Todo aquele que pratica o pecado transgride a Lei; de fato, o pecado é a transgressão da Lei" (1Jo 3.4). Pecado, portanto, é tudo o que viola a Lei de Deus e esta é bastante clara no Antigo Testamento. Ninguém pode dizer o que é ou não pecado, se não entender a Lei de Deus. É simples assim.
Entretanto, a Bíblia demonstra que nem todo pecado, especialmente no Antigo Testamento, é punido pela magistrado civil. Quer dizer, nem tudo aquilo que Deus considera pecado, significa que os juízes (investidos pelo poder do Senhor) devem punir. Êxodo 22.9 e outros textos, nos mostram a legitimidade dos juízes para decidirem as causas (desde que decidam de acordo com a Palavra de Deus). Vamos a alguns exemplos básicos:
- adultério: é punido pelos magistrados (Lv 18.20; 29)
- homossexualismo: é punido pelos magistrados (Lv 18.22; 29);
- zoofilia (sexo com animais): é punido pelos magistrado (Lv 18.23; 29);
Várias outras passagens poderia ser colacionadas, demonstrando que inúmeras práticas eram consideradas pecado diante de Deus e por isso seus praticantes deveriam ser punidos. E aqui ninguém se engane: a ordenança para obedecer as leis era estendida aos judeus e aos estrangeiros que viviam junto com o povo de Deus: "Porém vós guardareis os meus estatutos e os meus juízos, e nenhuma destas abominações fareis, nem o natural, nem o estrangeiro que peregrina entre vós" (Lv 18.26).
Algo salutar e que convém deixar registrado é que existe uma diferença entre crimes de perigo concreto e abstrato. Perigo concreto são aqueles crimes que exigem a comprovação de algum dano, como no caso de maus tratos aos animais: os animais sofrem e por isso existe a lesão. Já para o crime abstrato, a mera conduta, mesmo que não resulte em nenhuma lesividade, já é considerada crime, como no caso de dirigir sob o efeito de álcool ou outra substância que altere o estado normal do indivíduo: a mera possibilidade de ocorrer algo errado, já é considerado crime.
Isto posto, vemos que o adultério, conquanto fosse punido pelos magistrados, precisava de duas ou três testemunhas, conforme lemos: "Quando no meio de ti, em alguma das tuas portas que te dá o Senhor teu Deus, se achar algum homem ou mulher que fizer mal aos olhos do Senhor teu Deus, transgredindo a sua aliança [...] Por boca de duas testemunhas, ou três testemunhas, será morto o que houver de morrer; por boca de uma só testemunha não morrerá" (Dt 17.2, 6). Ou seja, a mera conduta de adulterar, escondido e sem ninguém ter visto, não era punido pelo magistrado - até porque ninguém saberia do ocorrido, não é mesmo?
E com relação a outras práticas, como no presente caso, o uso de substâncias que alteram a forma de percepção do mundo? É evidente que não cabe, neste pequeno texto, uma definição sobre o que é ou não droga, mas convém lembrar que muitas coisas não consideradas "drogas", são nocivas ao corpo. Alguém pode não fumar crack ou usar cocaína, mas vive cansado e fadigado porque só come "bobagem", por exemplo, vindo a morrer antes mesmo do "usuário de drogas". Para simplificar, vamos entender o termo "drogas" como tudo aquilo que altere o estado comum do homem e que lhe traga prejuízos (seja para mais ou para menos). Tal definição é importante, pois a Bíblia ordena que cuidemos de nossos corpos físicos (1Co 6.19-20) e que tenhamos cuidado com substâncias que nos tiram o domínio próprio e nos levam a cometer atos descabidos (Pv 23.29-35).
Desta forma, biblicamente, percebemos que os autores de tais práticas proibidas pela Escritura, nunca eram perseguidos com relação a sua vida particular. A própria proibição de ir adorar outros deuses, não era punida no âmbito privado - o indivíduo que em sua casa, fizesse uma oração a alguma outra deidade, não era punido pelo magistrado, pois não temos nenhum relato disso na Escritura.
É bem verdade que o uso de drogas não aparece de forma "clara" na Escritura e por isso temos de ter o cuidado quando tocamos neste assunto. Por outro lado, o silêncio quanto à punição pelo uso das mesmas, não parece encontrar lugar junto ao texto bíblico e creio que por uma simples razão: os possível atos decorrentes do seu uso, já possuem a devida punição. O indivíduo que usasse alguma droga e furtasse, teria de restituir; se matou, seria morto; se estuprou, seria morto; se enganou e dissimilou, receberia as devidas sanções...
Noutras palavras, a Bíblia não parece orientar os magistrados para que, no tocando ao prejuízo gerado para si mesmo, punam por crime abstrato, ou seja, pela mera conduta, devendo somente punir os delitos derivados destas condutas. O fato de alguém querer estragar o seu próprio corpo (você que se enche de batata frita toda semana e não faz exercícios, vá com calma no julgamento alheio, ok?), muito embora seja uma afronta ao corpo criado por Deus, não recebe punição pelo magistrado, de acordo com a Escritura.
Aqui, alguém pode dizer que se liberado o uso (e estendo para a venda) de drogas, os jovens irão morrer e pessoas ficarão doentes, lotarão os hospitais e tudo o mais, quando não mencionarem o fato de as drogas, por viciarem, motivarem outros delitos. Tal argumentação é verdadeira e precisa ser levada em conta, todavia, nem sempre se furta/rouba para manter o vício e o furto/roubo já é punido biblicamente (e em nosso país), não importando o que motivou tal delito. Se as políticas públicas não conseguem punir com severidade os demais delitos, não é proibindo algo que a Bíblia não proíbe, que se chegará a uma solução melhor.
Ser favorável à descriminalização, não significa apoiar e promover as tristes consequências que isto tem para a vida da sociedade (afinal, as drogas circulariam com muito mais facilidade nos mais diversos lugares) e por isto precisamos conscientizar as pessoas dos malefícios que seu uso acarreta. Pais, igreja e toda a sociedade precisa estar ciente dos prejuízos causados pelas drogas, assim como orientar a todos de que cada um responderá por seus atos que venham - ou não - a ser praticados em decorrência do uso de drogas.
Assim, concluo esta breve reflexão (que não esgota o assunto, evidente) dizendo que, ao meu entender e por não visualizar qualquer exemplo bíblico onde possa me apoiar, sou favorável a descriminalização do uso/venda de drogas. Não sou favorável à legalização das mesmas, pois o Estado teria de controlar, incidir impostos e se intrometer ainda mais na vida particular. Voto pela prática deixar de ser crime - sem excluir, porém, o voto de que o Estado deve buscar promover campanhas e outras práticas que não incentivem tal conduta -, afinal, biblicamente, não encontramos motivo algum para se encarcerar quem utiliza/vende drogas - em verdade, o encarceramento sequer é bíblico - mas este ponto fica para outro texto.
A graça seja com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo em sinceridade (Ef 6.24).