Mais de um ano depois do último artigo postado aqui no blog, retorno com uma reflexão que me ocorreu por ocasião de diversas circunstâncias. Como noticiei em 2015 (aqui), as atividades na igreja foram inicialmente suspensas e posteriormente encerradas, de comum acordo com os membros da igreja. Passados mais de dois anos afastado do efetivo ministério da pregação e ensino, algumas coisas me ocorreram e desejo compartilhar.
P.s.: deixo registrado que o exposto aqui não é apenas uma visão minha, mas algo compartilhado por outros irmãos, pastores, missionários e pessoas que estão à frente de algum trabalho, com os quais já conversei sobre este tema.
Se "ter que pregar em quase todos os cultos" é algo cansativo e que traz um peso ao longo do tempo, o nunca ter de pregar leva à forte tendência de se relaxar demais e se esquecer da Palavra. Sim, até o mais valioso servo do Senhor, quando está fora de sua obrigação, tende a ser fortemente tentado a esmorecer e esquecer de seus compromissos com a Palavra.
Disto surge a indagação: enquanto se era "obrigado" a pregar, por exemplo, se lia, orava e se buscava mais piedade por causa da obrigação ou era algo genuíno? Em outras palavras, será que a falta de obrigatoriedade é capaz de manter o mesmo fogo e zelo de quando se está à frente?
Certa vez, enquanto jantávamos com um casal de amigos, a esposa dele comentou que "quando ele tinha de ministrar um estudo sobre casamento, naquela semana ele era diferente - mais amoroso, paciente e muito mais". Lembro de que o mesmo ocorria comigo: quando tinha de pregar, a semana era diferente. Pode parecer estranho, mas é a realidade.
Por isso tenho percebido que quanto mais pensamos "eu não vou fazer isso até realmente ter uma profunda e genuína vontade de realizar", mais nos afundamos e nos afastamos deste ideal. É semelhante à pessoa acima do peso e que não tem vontade de se exercitar, pois pensa consigo: "por enquanto não tenho vontade, mas quanto vier, irei começar". Ou parecido com o aluno que não se dedica às matérias, pois entende que só deve começar a fazer, quando realmente for tocado por isso. Pior: ao viciado em algo, que teimosamente afirma estar livre para largar "quando quiser", porém, nunca o vemos fazendo.
E a Bíblia testifica isso: "Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço" (Rm 7.15 - grifo meu). No fundo, o marido cristão quer ser um homem, um pai, um amigo, um trabalhador, um genro, um filho, enfim, alguém melhor. Ele quer se esforçar, porque sabe do ideal bíblico. Mas o que faz este homem? Não executa metade do que sabe que deveria fazer. E por quê? Acredito que seja a falta de obrigatoriedade. Darei um exemplo.
Se você tem filho pequeno, tente apenas sugerir para que ao findar da brincadeira, ele mesmo arrume a bagunça. Vou direto ao ponto pra encurtar a história: ele não vai arrumar ou vai arrumar com uma qualidade bastante duvidosa. E o motivo é óbvio: não foi obrigado à coisa alguma. Ou pense da seguinte forma: os pais vendo o filho já com 18 anos e ainda em casa, sem trabalhar e nem procurar emprego. Sugerem, amigavelmente, que ele vá atrás de algo - mas continuam pagando suas contas, dando celular e tudo que ele deseja. Resultado? Obviamente que nunca sairá para procurar trabalho, pois não é obrigado a isso. Ainda mais: em seu trabalho cotidiano, seu chefe nunca lhe pede algo a mais, deixando você na zona de conforto e com seu salário garantido; por que você vai se esforçar mais no trabalho, se não é cobrado por ninguém?
Jesus disse: "Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Jo 6.38 - grifo meu). Quando dissemos que iremos esperar "ter vontade" para executar, no fundo estamos afirmando que nossa obra ao Reino de Deus depende do nosso querer, enquanto Cristo diz o exato oposto. O apóstolo Paulo também comenta: "Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como sábios, Remindo o tempo; porquanto os dias são maus. Por isso não sejais insensatos, mas entendei qual seja a vontade do Senhor" (Ef. 5.-15-17 - grifo meu). E entender a vontade de Deus é sinônimo de a colocar em prática, pois a Bíblia é prática. É luz para o nosso caminho e lâmpada para os nossos pés. A analogia não deixa dúvidas: não diz que estamos em um caminho de luz e que a Palavra é mais uma luz - naturalmente estamos em trevas e somente ela é a luz! Por isso é que somo gentilmente "obrigados" pela Palavra à obedecer, pois se depender do nosso querer, ainda que regeneramos, jamais iremos ter aquilo afinco desejado.
E como bem sabemos, a carne milita contra o Espírito (Gl 5.17) e portanto é errado e enganoso ao coração, imaginar que devemos aguardar a bondade e vontade brotar em nosso coração, para, assim sendo, passar a executar aquilo que Deus nos diz. Talvez possamos afirmar que na maioria das vezes iremos obedecer por mera obrigação, como já preguei e escrevi em 2011 - Os Mandamentos de Deus Requerem Obediência Imediata.
Por fim, concluo dizendo que ainda que os crentes sejam regenerados por Deus, nossa relação com Ele é como para com um Pai adotivo - nos tirou do reino das trevas e transportou para a luz (Cl 1.13) - e sendo enxertados na boa oliveira (Rm 11), devemos executar os mandamentos do novo Pai (em contraposição aos do maligno). Não espere ter vontade, pois se as vezes nos alimentamos mesmo sem vontade, mas por saber que precisamos de força, não faríamos o mesmo para com o Senhor?