segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A Piedade Para Tudo é Proveitosa



Pois o exercício físico é para pouco proveitoso (1 Tm 4.8). Pela expressão, exercício físico, o apóstolo não se refere ao esporte da caça, ou da corrida, ou proceder a uma escavação, ou de luta corporal, ou de algum trabalho manual; ao contrário, ele está falando de ações externas empreendidas em função da religião, a saber, vigílias, jejuns prolongados, prostração em terra e atos afins... Portanto, mesmo que o coração seja puro e o motivo justo, Paulo não encontra nada nas ações externas que seja de algum valor real. Eis aqui uma advertência indispensável, pois o mundo sempre revela forte tendência para cultuar a Deus por meio de observâncias externas, o que pode ser fatal. Mesmo deixando a noção perversa de que há méritos nelas, nossa natureza sempre nos dispõe fortemente a pensar que a vida ascética é de grande valor, como se fosse uma parte notável da santificação cristã. Não existe prova mais clara disso do que o fato de logo depois Paulo emitir esse mandamento, um tipo fútil de exercício corporal conquistou a admiração imoderada de toda a terra. 

De tal monasticismo surgiram as ordens de monges e freiras e quase toda a mais excelente disciplina da antiga igreja, pelo menos aquela parte dela que foi mais altamente estimada pela opinião popular. Se os antigos monges não tivessem crido de haver alguma perfeição divina ou angélica em suas austeras regras de vida, e jamais a teriam praticado com tanto ardor. Da mesma forma, se os pastores não tivessem indevidamente super valorizado as práticas então observadas como meio de se mortificar a carne, jamais as teriam requerido de maneira tão estrita. Todavia Paulo expressa o contrário, ou seja: mesmo que um homem se haja fatigado com muitos e prolongados exercícios, o proveito será pouco e insignificante; porque não passam de rudimentos de uma disciplina pueril.

Mas a piedade para tudo é proveitosa. Significa que ao homem que possui piedade nada falta, mesmo que não tenha a pequena assistência que essas práticas ascéticas podem oferecer. A piedade é o ponto de partida, o meio e o fim do viver cristão; e onde ela é completa, não existe lacuna alguma. Cristo não seguiu um modo ascético de vida como João Batista, e no entanto não lhe era absolutamente inferior, nem um mínimo sequer. Portanto, a conclusão é que devemos concentrar-nos exclusivamente sobre a piedade, pois quando a tivermos alcançado, Deus não requererá de nós nada mais; e devemos prestar atenção nos exercícios corporais só até onde eles não obstruam nem retardem a prática da piedade.

Tendo a promessa. É um conforto muitíssimo profundo saber que Deus não deseja que ao piedoso falte alguma coisa. Havendo decretado que nossa perfeição estaria radicada na piedade, ele agora faz provisão para que a mesma encontre sua concretização na genuína felicidade. E já que ela, nesta vida, é a fonte da felicidade, ele estende a esta vida, também, as promessas da graça divina, a qual só pode trazer-nos felicidade e sem a qual seremos os mais miseráveis dos homens. Pois Deus declara que mesmo nesta vida ele nos será por Pai. Devemos, porém, lembrar de fazer distinção entre as bênçãos da vida presente e as da vida futura. 

Pois neste mundo Deus nos abençoa de maneira que só desfrutamos de uma mera prelibação de sua benevolência, e através dessa prelibação somos atraídos a desejar as bênçãos celestiais para que nelas sejamos plenamente saciados. Eis a razão por que as bênçãos da presente vida são não só mescladas, mas também destruídas por muitas aflições, pois não é bom que tenhamos abundância aqui e a seguir suceda que ela nos conduza à luxúria. Além do mais, para que não suceda de alguém tentar extrair desta passagem a doutrina dos méritos [humanos], devemos observar que a piedade inclui não só uma consciência íntegra em relação ao homem e reverência em relação a Deus, mas também fé e oração.

- por João Calvino

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