quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A História do Vinho e os Puritanos no Novo Mundo



"Quando desembarcaram na baía de Plymouth em 1621, os puritanos relataram - de forma semelhante a Leif Ericsson - que tinham visto 'uvas por toda a parte'. Acredita-se que eles tinham tomado vinho feito com estas uvas já no primeiro dia de Ação de Graças que passaram no Novo Mundo [nota minha: o que hoje é conhecido como Estado Unidos da América], mas isto não é confirmado. O navio Mayflower, que levou os primeiros puritanos até Plymouth, tinha um grande estoque de bebida alcoólica, principalmente cerveja e aguardentes, mas mesmo assim os colonos enfrentaram uma forte escassez de bebida assim que chegaram.

É importante lembrar que a associação entre 'puritano' e abstinência foi desenvolvida somente no século XIX. Os puritanos do século XVII, como todos os seus contemporâneos, consumiam bebidas alcoólicas diariamente como parte da alimentação, não apenas por conterem nutrientes importantes mas também por serem muito mais seguras em termos de higiene do que a água, quase sempre contaminada. Cervejas de matérias-primas tão diferentes quanto milho e abóbora eram feitas pelas famílias puritanas para o consumo doméstico ou por microindústrias coletivas para a venda no atacado e no varejo. No que dizia respeito ao vinho, houve algumas tentativas fracassadas de plantar uvas. O vinho era importante para aquelas pessoas porque fazia parte da cultura dos ingleses ricos e também porque era usado nas cerimônias religiosas dos puritanos. Increase Mather, um padre muito conhecido na época, referiu-se ao vinho como 'uma boa criatura de Deus' e alertou que ninguém devia 'beber mais do que o recomendável'.

O navio Arbella, que levou os puritanos para Boston em 1630, carregava um volume de cerveja três vezes maior do que o de água, além de 10 mil galões de vinho. Logo que chegaram, os novos colonos fizeram vinho com uvas silvestres e o beberam depois do primeiro verão. Mas a bebida ficou tão ruim que os puritanos solicitaram às autoridades da Inglaterra que enviasse viticultores franceses para lhes ensinar suas técnicas. O governador John Winthrop recebeu uma ilha na enseada de Boston com a condição de que plantasse uvas e, otimista, concordou em pagar o aluguel em vinho. Oito anos depois, o acordo foi modificado para que ele pudesse pagar o aluguel em maçãs. Estas primeiras tentativas de estabelecer uma indústria vinícola deram o tom da frustração que prevaleceria poder décadas.

É fácil entender por que os primeiros colonos chegaram à América do Norte eram tão otimistas quanto à possibilidade de produzir vinho e também por que mantiveram este otimismo mesmo depois de tantos fracassos. Ao encontrarem na costa leste uvas silvestres em abundância, os puritanos e outros grupos devem ter pensado nos homens que Moisés enviou para fazer o reconhecimento de terreno na Terra Prometida e que regressaram com um enorme cacho de uvas. Mesmo depois que as uvas nativas mostraram-se impróprias para a vinicultura, os colonos continuaram achando inconcebível que as videiras européias não frutificassem na América do Norte.

O que os novos colonos não sabiam é que as videiras importadas inevitavelmente sucumbiriam às doenças, aos invernos severos e aos insetos aos quais as uvas nativas resistiam. No entanto, o otimismo mais uma vez superou a experiência, pois os ingleses insistiam em que as colônias tinham todas as condições necessárias para abrigar uma boa indústria vinícola. Elas estavam localizadas na mesma latitude de excelentes regiões produtoras européias e tudo o que faltava era descobrir o segredo e pôr fim à sucessão de azares que vinham ocorrendo. Cada grupo de imigrantes, ao que parecer, tinha de dirigir a sua própria montanha-russa de esperança e desespero antes de desistir.

Os ingleses não foram os únicos entusiastas da idéia de fabricar vinho no Novo Mundo. Colonos holandeses plantaram uvas em New Netherlands na década de 1640, mas quando os ingleses tomaram a colônia em 1669 não havia sinal algum de produção vinícola. Suecos que se fixaram ao longo do rio Delaware também tentaram se aventurar na viticultura, um projeto incentivado por seu governador. Um povoamento de pietistas em Germantown, na Pensivânia, pretendia especializar-se em vinho e novas levas de imigrantes que partiram da região do Reno contribuíram com seu conhecimento. Todas essas experiências, no entanto, fracassaram.

Na Pensilvâia, a concepção que William Penn tinha de uma nova terra contemplava a existência de videiras; e sua visão de uma nova sociedade contemplava o vinho. Um ano depois de sua chegada, ele relatou ter bebido um vinho que lembrava um bom clarete e que havia sido feito por um huguenote com uvas nativas. Penn escreveu que as videiras provavelmente floresciam melhor quando cresciam naturalmente e planejou fazer experiências com uvas nativas - 'na esperança de que o resultado será um vinho tão bom quanto o produzido por países europeus na mesmo latitude.' Por suas ideias, Penn pretendia fazer com que seus vinhos rivalizassem em qualidade com da Borgonha, mas não há qualquer evidência de que suas experiências com uvas nativas tenham ido adiante. Ao contrário, Penn plantou 200 acres de terra com mudas espanholas e francesas no leste da Pensivânia. Mas para seu próprio consumo, Penn - que preferia 'vinho das Canárias, sack, clarete e madeira' - importava a bebida.

Esforços ainda maiores foram feitas nas Carolinas, onde as uvas nativas eram particularmente abundantes. As terras das montanhas ao sul da Caroline do Norte foram tomadas por vinhedos e houve grandes expectativas quanto sucesso da viticultura, mas no fim das contas não se conseguiu coisa alguma. Em 1670, os vinhedos plantados próximos da atual Charleston deram boas safras de uva, mas sua serventia para o vinho foi questionada: 'Algumas [uvas são] muito saborosas e grandes, mas, ao serem prensadas, suas cascas espessas deixam uma espécie de amargor que nos dá motivos para temer... que elas nunca serão aproveitadas ou o serão com muita dificuldade.' Conselhos coloniais pediram que a Inglaterra enviasse mudas e profissionais especializados.

Entre todos os colonos, os huguenotes franceses foram os mais bem-sucedidos nessa área e existem relatos de que elas conseguiram produzir vinho em várias regiões. Em 1680, depois de uma nova onda de perseguição religiosa na França, o primeiro grupo organizado de huguenotes chegou à Carolina do Sul com o objetivo de fomentar as indústrias de azeite, seda e vinho. Com uvas nativas e européias, produziram vinho e enviaram amostras para a Inglaterra, onde foi 'bem recebido' pelos 'melhores paladares'. Os huguenotes devem ter tido sorte nos primeiros anos. Talvez os invernos tenham sido amenos ou talvez as pragas e doenças tenham dado uma trégua. Em dez anos, no entanto, não se produzia mais vinho na região.

Enquanto fazia todo esse esforço para plantar uvas e produzir vinho nas colônias americanas, os europeus que se estabeleceram no Novo Mundo precisavam ser abastecidos por bebidas alcoólicas. A ale era muito popular, em parte por ser mais segura do que a água, e era feita pelas próprias famílias nas colônias. Por volta do final do século XVII, bebidas destiladas começaram a ser consumidas, especialmente o rum feito de cana-de-açúcar nas Índias Ocidentais. Destes três tipos de bebiba alcoólica, o vinho era o mais problemático. Como era difícil produzi-lo localmente, todo suprimento tinha de ser enviado da Europa. Mas a bebida ainda era muito instável e a mair parte do vinho que atravessa o Atlântico chegava às colônias em condições ruins, deixando os colonos com enormes reservas de vinagre. Este era um permanente incentivo para se prosseguir insistindo na viticultura.

O grande interese dos colonizadores em promover a produção vinícola não impedia seus líderes de manifestar a tradicional preocupação com a consumo de bebida alcoólica em suas comunidades. Como já vimos, os puritanos consideravam o vinho bom quando ingerido moderadamente. Mas era difícil estabelecer o limite a partir do qual a bebida fazia mal ao homem e, sobretudo, convencer as pessoas a aceitarem este limite. Em Massachesetts, o vinho era considerado mais problemático do que ale e sidra, mas menos nocivo do que destilados como uísque e rum. Várias tentativas foram feitas para restringir o consumo de bebidas alcoólicas ao que realmente era necessário para complementar a alimentação diária. O objetivo, é claro, era evitar a embriaguez e os problemas sociais e religiosas que elas provocavam."
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Leia o restante: Um Breve História do Vinho - Rod Phillips págs. 218-222. Retirado de: http://books.google.com.br/books?id=Rr7JDB7a4noC&printsec=frontcover&dq=breve+hist%C3%B3ria+do+vinho&source=bl&ots=d7065ePgHO&sig=IPHtwNyIaox6gba00lync6xxw8I&hl=pt-BR&sa=X&ei=JKxMUJfpDIT48wT6goGACg&ved=0CDUQ6AEwAA

4 comentários:

  1. A Paz do Senhor
    Fiz uma visita no blog do senhor e achei interessante. Estou me tornando seguidor de seu blog e gostaria que o irmão visitasse o meu blog também e torna-se seguidor dele. O meu blog possui estudos bíblicos e notícias religiosas que saem na imprensa. O irmão vai gostar. Deus abençoe.
    Rafael Carlos
    fidelidadeajesus.blogspot.com

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  2. Tem um erro no texto, sobre Increase Mather ter sido padre.

    :)

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    1. Frank, acho que o "padre" foi a má tradução, tendo em vista que o livro não é cristão.

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  3. Escrevi sobre o assunto com base na Bíblia.


    http://logcabral.blogspot.com.br/2010/12/o-vinho-na-biblia-bebidas-alcoolicas.html?m=1

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