terça-feira, 10 de agosto de 2010

O livre-arbítrio é em si mesmo contraditório

Texto por
Filipe Luiz C. Machado
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Longe de ser uma grande explanação filosófica e/ou teológica sobre o assunto, o que desejo mostrar é que não precisamos necessariamente nos apoiar na teologia para provarmos que o livre-arbítrio é em si mesmo contraditório; pois a própria lógica já o faz.

Para começarmos, devemos entender que existem diversas interpretações do que poderia ser o livre-arbítrio. Todas essas interpretações e deduções são fruto do muito pensar e analisar o que de fato seria o "livre" e o "arbítrio". Contudo, creio que não precisamos ir tão a fundo para mostrarmos a falácia aqui mencionada. Vejamos alguns motivos:

1. Ser livre não significa ser autônomo.

Quando as pessoas se referem a livre vontade do ser-humano, geralmente querem dizer que elas são livres para escolherem o que bem entenderem. Com isso, logo se chega a rápida conclusão de que a liberdade é inerente a personalidade humana. Em outras palavras: nascemos livres, mas a sociedade nos limita.

Mas veja que esse argumento não pode ser sustentado de forma adequada, visto que a livre vontade, aparentemente inata do ser-humano, não é uma condição que ele escolheu para si. Nenhum bebê escolhe onde vai nascer, se será menino ou menina, com quantos quilos vai nascer e tantas outras variáveis que envolvem o nascimento de um ser. Como dizer então que o ser-humano é livre por natureza? Na melhor das hipóteses poderíamos alegar que somos parcialmente livres.

2. Livre é diferente de liberdade.

Por livre devemos entender a ausência de toda e qualquer regra ou conhecimento pré-estabelecido por alguém ou por alguma coisa. Significa dizer que "livre",é ser não-causado, não pré-estabelecido por outrem ou por vontade alheia a sua. Seríamos de fato livres se pudéssemos optar por qualquer coisa que quiséssemos, mesmo que essa "coisa" não existisse. Por exemplo: se de fato fossemos realmente livres, poderíamos tranquilamente chegar a uma padaria e anunciar: "eu desejo um notebook com farofa e mouse". Ora, não é necessário explicar que a atendente não poderia executar nosso pedido; afinal, nós estaríamos em uma padaria e não em um cyber-café lunático!

Diferentemente da livre vontade, a liberdade não pressupõe que podemos escolher qualquer coisa que quisermos, mas apenas as opções que nos são apresentadas. A liberdade contempla a pluralidade de alternativas que temos sobre um determinado objeto ou ação. Ela nos diz que nem tudo que queremos é possível; porém, naquilo em que temos opção, somos "livres".

3. O arbítrio (do livre-arbítrio) exclui a livre vontade.

Dentre os muitos significados que podemos achar para esta palavra, creio que há um que englobe o sentido bruto que queremos dar. Arbítrio: "Juízo, sentença de árbitro".

Trabalhando nesta perspectiva, percebemos que o objeto de causação tem poder sobre a matéria, pensamento ou qualquer outra coisa que lhe pertença ou que lhe tenha serventia para este causar naquele. Neste caso, a matéria (física ou intelectual) é subjugada por tudo aquilo que tem o poder de lhe obter e modificar. Então, se a dada matéria está neste estado de total inércia e pronta para receber julgamento e escolha, entendemos que é necessário que outrem a julgue. Dito isso, partimos para o elemento julgador.

Se temos uma matéria para ser arbitrada, precisamos de um árbitro. Se há um árbitro, entende-se que este tem o poder inerente sobre a matéria a ser arbitrada; caso contrário não teria "poder" para tal feito. Este silogismo não nos dá uma ideia empírica, mas sim nos leva a uma conclusão real daquilo que acontece: temos uma livre vontade, porém restrita. Então, se este silogismo é verdadeiro, cabe-nos apresentar uma nova proposta ao antigo livre-arbítrio.

4. Livre-arbítrio significa livre-escolha e não, ser livre.

Diante de tais exposições, precisamos deixar claro que o comumente chamado "livre-arbítrio" nada mais é do que "livre-escolha". Este primeiro termo não pode se assemelhar em qualquer espécie com a conjectura da possível livre vontade humana; pois conforme vimos, para algo ser livre precisa ser não-causado, e isto exclui de imediato o ser-humano e suas faculdades.

Por fim, entendemos que não somos livres (no verdadeiro sentido etimológico), mas árbitros das escolhas que nos são propostas. Somos livres (no sentido prático) para escolhermos aquilo que temos como opção de escolha, e estas opções são sempre limitadas. Isto faz com que sejamos responsáveis por aquilo que escolhemos e pelas decisões que tomamos.

Problema algum há em se usar o termo livre-arbítrio, desde que este seja corretamente entendido e seja aplicado como representando a livre escolha do ser humano.

Abraços!

Um comentário:

  1. Interessante teu texto Filipe, além de bem organizado. Parabéns.
    Vamos falar sobre interpretação na aula de história do pensamento hermenêutico para tratar dessas indagações.
    Abração

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