"Até quando, ó Deus? esquecer-te-ás de mim para sempre? Até quando ocultarás de mim teu rosto? Até quando consultarei minha alma, tendo tristeza em meu coração cada dia? Até quando meu inimigo se exaltará sobre mim?" (Sl 13.1-2).
1. Até quando, ó Deus? É plenamente indiscutível que Davi era grandemente odiado pela maioria do povo, em razão das calamidades e más notícias que circulavam contra ele, ao ponto de quase todos os homens julgarem que Deus não nutria menos hostilidade por ele do que Saul e seus outros inimigos.
Mas aqui ele fala não tanto segundo a opinião de outros, mas de acordo com a angústia de sua própria mente, queixando-se de ser negligenciado por Deus. Não que a persuasão da veracidade das promessas de Deus estivesse extinta de seu coração, ou que ele não descansasse em sua graça; mas quando nos vemos por muito tempo sobrecarregados com calamidades, e quando não mais divisamos qualquer sinal do auxílio divino, este pensamento inevitavelmente se nos impõe, ou seja: Deus se esqueceu de mim! Reconhecer em meio às nossas aflições que ele realmente se preocupa conosco não é muito próprio dos homens nem é o que a própria natureza nos induz a fazer; mas é pela fé que tomamos posse de sua providência invisível. Portanto, Davi, aparentemente, até onde possa ser julgado à luz do real estado de suas atividades, estava de fato esquecido por Deus. Ao mesmo tempo, contudo, os olhos de sua mente, guiados pela luz da fé, penetraram até mesmo a graça de Deus, ainda que estivesse ela envolta em trevas. Quando ele disse que nem sequer um único raio de esperança havia em qualquer direção para a qual se voltasse, até onde a razão humana pudesse julgar, constrangido pela tristeza, ele clama, dizendo que Deus não o levara em conta; e no entanto por sua própria queixa ele fornece evidência de que a fé o capacitara a pôr-se em lugar mais alto, e chega à conclusão de que, ao contrário do juízo da carne, seu bem-estar estava seguro nas mãos divinas. Do contrário, como era possível que tivesse dirigido a Deus seus gemidos e orações? Seguindo este exemplo, devemos então contender contra as tentações, protegidos pela certeza de fé, mesmo submersos no mais emaranhado dos conflitos [cotidianos], confessando que as calamidades que nos induzem ao desespero têm de ser vencidas; justamente como vemos que a fraqueza da carne não podia impedir Davi de recorrer a Deus e de encontrar nele seus recursos. E assim ele associa em seus exercícios, com muita beleza, os sentimentos que aparentemente são contraditórios. As palavras, Até quando, para sempre?, são uma forma defectiva de expressão; mas são muito mais enfáticas do que se ele houvera posto a pergunta segundo o modo usual de falar: Por que demoras tanto?Ao falar assim, ele nos dá a entender que, com o propósito de nutrir sua esperança e encorajar-se no exercício da paciência, ele estendeu sua vista para um horizonte longínquo, e portanto não se queixa de uma calamidade que durava apenas uns poucos dias, como os efeminados e os covardes costumam fazer, os quais só vêem o que está diante de seu nariz, e imediatamente sucumbem ao primeiro assalto. Davi nos ensina, pois, mediante seu exemplo, a estender nossa vista, o máximo possível, para o futuro, a fim de que nossa presente tristeza não consiga privar-nos inteiramente da visão da esperança.
2. Até quando consultarei minha alma? Sabemos que na adversidade os homens se entregam ao descontentamento, volvem seus olhos em torno de si, numa direção, noutra direção, em busca de remédios. Especialmente quando se vêem destituídos de todos os recursos, atormentam-se profundamente e sentem-se confusos ante a confusa multidão de seus pensamentos. E, em meio aos grandes perigos, ansiedade e temor, são compelidos a mudar seus propósitos com muita freqüência, quando não encontram plano algum sobre o qual possam firmar-se com segurança. Davi, portanto, se queixa de que, enquanto pondera sobre os diferentes métodos de obter lenitivo, deliberando consigo mesmo ora de um modo, ora de outro, sente-se exausto sem sequer alcançar um alvo concreto, entre a infinidade de sugestões que percorrem sua mente. E ao juntar a essa queixa a dor que sentia diariamente, ele põe em relevo a fonte de sua inquietude. Quanto mais severa é a indisposição que os enfermos sentem e desejam mudar de posição a cada momento, e quanto mais agudas são as dores que os atormentam, mais agitados e nervosos se tornam, procurando reverter a situação. Portanto, quando a dor se apodera dos corações dos homens, suas miseráveis vítimas são violentamente agitadas em seu íntimo, acham mais tolerável atormentar-se sem obter alívio do que suportar suas aflições com serenidade e com mentes tranqüilas. Na verdade o Senhor promete conceder ao fiel "o espírito de conselho" [Is 11.2]; mas nem sempre lhos dá bem no início de um problema em que se acham envolvidos, senão que os deixa por algum tempo embaraçados, deliberadamente, sem chegar a uma determinada decisão, ou os mantém perplexos, como se estivessem emaranhados por espinheiros, sem saber se voltam, ou que rumo tomam. Alguns explicam a palavra, yomam, como significando todos os longos dias. A meu ver, porém, ela significa, antes, outro tipo de prosseguimento, ou seja, que sua dor se revolvia e se renovava a cada dia. No final do versículo ele deplora outro mal, a saber, que seus adversários triunfam sobre ele de uma forma muito ousada, ao perceberem sua total debilidade e, por assim dizer, consumido por
contínuo langor. Ora, esse é um argumento de muito valor em nossas orações; pois não há nada que desgoste mais a Deus, e que ele menos suportará, do que a cruel insolência que nossos inimigos demonstram, quando não só se alegram em nos ver em miséria, mas também se erguem acima de nós e nos ameaçam o mais desdenhosamente possível, à medida que vêem crescer nossa opressão e desespero.
por João Calvino
Fonte: OCalvinista
Bom verdadeiramente deus não se alegra em ver seu servo caido e seus inimigos triunfando sobre ele deus permite nossos inimigos sentar a nossa mesa pra q ele possa saber q Deus quem nos garante
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