sábado, 25 de novembro de 2023

O culto online e a tentação do Diabo

Você conhece o plano de fundo deste texto olhando no retrovisor da história recente: pandemia, COVID-19... todos em casa e você se dá conta de que nunca tinha sentado em frente da televisão para acompanhar um culto da sua igreja. Talvez a sua igreja nem tivesse esta opção.

Você queria ir à igreja, mas não podia. Você desejava sair de casa e estar com os irmãos, mas não podia. Vocês queria tocar na banda, mas não podia. Você queria... mas não podia quase nada. Sua (nossa!) fé ativa e em comunidade, agora estava em parafuso e sem direção.

Neste cenário conhecido é que o culto online veio como uma verdadeira e justa benção de Deus. Eu não quero exagerar, mas foi quase como o maná no deserto para o povo de Deus.

Sem dúvidas o culto online supriu uma lacuna imensa na vida de todo crente, muitas vezes até testemunhando para dentro de casa que "eu e minha casa serviremos ao Senhor, pois agora é a hora de desligar a Netflix e acompanhar o culto; somos crentes"! Eu brinco, ok, mas também falo sério.

Aqui, não vou entrar em comentários se o culto online era realmente válido diante do "rito padrão das Escrituras", se a ceia por wi-fi tinha utilidade real diante de Deus... O motivo principal do culto online já passou e por mil motivos não há razões para questionar isso neste momento. Vamos admitir que tudo ou quase tudo foi proveitoso, como acredito de coração. E o que não foi, na ignorância fizemos e Senhor nos perdoe por Tua misericórdia.

Voltando... O fato é que embora possamos dizer a Deus que andaremos "com um coração sincero." (Sl 101.2) diante d'Ele e que estaremos buscando ter uma "aparência de piedade" (2Tm 3.5), a Bíblia diz que somente a doutrina do sábio é capaz de nos livrar dos laços da morte (Pv 13.14).

Pois bem, que doutrina é essa? Ainda que a resposta seja clara (a Palavra de Deus, lógico), as tentações são fortes e buscam nos seduzir com atalhos que parecem agradáveis. Os laços de morte continuam lá, junto com o leão que procura nos devorar (1Pe 5.8).

Há muitos irmãos que não congregam mais após a pandemia ou se o fazem é com baixíssima frequência. Todo pastor pode relatar diversos membros que nunca mais foram vistos na igreja local e em nenhuma outra. Embora o plantiu possa ter se renovado e Deus acrescentado ovelhas de "outros apriscos", criou-se uma nova espécie dentro da fé cristã: os salvos intocáveis. Explico.

Na medida em que não somos ninguém pra duvidar da salvação de gente que nem conhecemos, também não podemos entender como normal a adoção de padrões que geram efeitos colaterais danosos à fé cristã. Atitudes que já foram genuínas e puras de coração, se tornaram uma armadilha pra alma.

Os santos intocáveis são aqueles não precisam mais chegar atrasados no culto ou a família inteira com cara de briga, só porque o tempo fechou antes de saírem de casa. Agora estes santos podem se enfileirar no sofá (ou cada um em seu celular em seu quarto) e assistir ao culto comendo pipoca ou pizza.

Esta nova espécie não cumprimenta mais o pastor da igreja e outros irmãos. Como consequência, não olha outros crentes nos olhos e escuta: "como você realmente está, meu querido? Não tenho mais visto você na igreja". Ninguém mais os pergunta como estão seus filhos ou seu casamento. Conquistaram uma vida de "paz".

Estes santos ficaram imunes às discussões sobre que horário sair para ir à igreja, sobre o culto ser de manhã ou à noite... Nem mesmo precisam mais enfrentar uma pregação ou louvor "chatos", pois o controle oferece outras mil opções de mensagem. Não são mais incomodados com quase nada dentro da "Arca de Noé" do Novo Testamento. Acreditam que tiveram êxito em construir um barquinho extra e ficam fora da Arca, embora tentem seguir seu rumo.

Conseguiram (ou assim creem) encontrar um meio de viver sua fé de modo particular e sem interrupções. E não tenho dúvidas de que quanto mais este rito se repete, pior fica sair dele. É uma espécie de entorpecência espiritual. A droga é lenta, constante e perigosa.

Neste sentido, não temos como não lembrar de Jesus e sua tentação no deserto (Lc 4). Nosso Mestre não ouviu mentiras: tudo o que o Diabo disse era verdade e estava na Escritura. Todas as investidas do inimigo tinham um fundo de verdade e aparência de piedade.

E eu receio que embora não possamos transformar pedra em pão ou nos jogar de cima do templo e sermos salvos por anjos, tentação semelhante bata em nossa casa toda semana através deste tal culto online.

Argumentos a favor de ficar em casa e cultuar por wi-fi não me faltariam aqui neste texto: comodidade, economia de combustível, mais tempo com a família, oportunidade de pausar o vídeo e abrir a Bíblia... Desculpas sem fim eu poderia escrever, mas que só serviriam para justificar o que acredito não ser justificável.

Por isso, a fim de encorajar quem talvez passa por esta situação, gostaria de elencar 3 razões para você voltar ao "antigo modelo" e retornar ao culto presencial (se for possível):

1. Admita com honestidade que sua vida espiritual, ainda que não tenha "piorado horrores", certamente não avançou.

Não lembro qual antigo autor escreveu (se John Flavel ou outro), mas que dizia que Deus jamais usará um meio de Graça para afastar os Seus filhos. Deus nunca (se assim podemos dizer) levará os crentes à igreja para os tirar da igreja; jamais usará a congregação de irmãos para que briguem e tumultuem a fé um do outro.

Os meios de graça (oração, leitura, comunhão...) foram dados para nosso benefício e para sempre assim será. O culto online preenche muito parcialmente alguns destes meios e acaba por não completar nenhum. Não há abraços, você não ajuda ninguém, não é ajudado nem confrontado, não há pedidos de socorro ou sorrisos encorajadores, ninguém ora por ninguém... nada. 

A prova de que não há crescimento é que beira o impossível alguém ser adepto do culto online e durante a semana ter uma vida ativa dentro da sua comunidade. Sem provas, mas com alguma certeza por percepção e lógica, afirmo que quanto mais se foge da comunhão, menos vontade se tem de estar com outros crentes ou viver o evangelho no dia a dia.

A fé não avança quando andamos já contramão do sistema bíblico.

2. Ser igreja não exclui estar com a igreja e fazer coisas de igreja.

O argumento famoso de que "eu sou igreja até quando estou no Starbucks" é tão válido quanto "eu sou médico até quando estou tomando sorvete". É uma frase vazia e sem sentido objetivo algum.

As próprias cartas escritas e enviadas (que lemos na Bíblia), são uma prova de que existe a necessidade constante de estar junto para aprender junto. Não existe autodidata na fé cristã existencial. Ler os melhores livros ou assistir aos melhores pregadores online, não torna ninguém automaticamente participante da comunidade cristã.

Durante toda a história bíblica temos narrativas de homens e mulheres de Deus chamando o povo a congregar. Toda vez que se dispersavam e não mais buscavam a Deus... eles liam livros e voltavam a ser crentes? Não! Voltavam a congregar para buscar perdão, consolo e ânimo uns nos outros. A vida cristã é feita de suor e corpos unidos. O templo e nem o muro foram reerguidos com um discurso bonito e depois cada um foi para sua casa para não mais se verem.

E que ninguém tente argumentar de que naquela época poucos sabiam ler e escrever, como se este fosse o motivo para se congregar. A internet não fez as pessoas pararem de viajar de avião para estarem juntas, só porque podem falar a distância! Quando gostamos de alguém, queremos estar juntos! É da essência da criação! 

Assim como não existe vida familiar online, filhos online ou pets online, não existe vida em igreja somente no virtual.

3. Observe que tipo de pessoas adere até hoje ao culto online.

Com exceção dos doentes, pessoas que não podem se locomover ou estão a trabalho, ouso dizer que todo o restante é de uma espécie que deliberadamente não quer "ver certas pessoas", não quer "se incomodar com determinadas coisas" ou possui outro argumento que não merece meu tempo escrevendo.

Você não verá um crente de joelhos em frente à televisão clamando por perdão, graça, misericórdia e ousadia para falar da palavra e que não se mova em direção efetiva daquilo pelo qual orou. Lembre-se: Deus não vai usar os meios de graça para afastar seus filhos. Se alguém orar deste jeito, Deus vai mover está pessoa a fazer e estar com outras pessoas!

Adeptos conscientes do virtual, embora eu não deva duvidar da sua salvação efetiva, vocês estão em dormência espiritual e eu espero que esta reflexão os ajude.

Que Deus nos dê graça e nos lembre sempre: "aquele que julga estar de pé, cuide para que não caia" (1Co 10.12).

Amém.

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