sexta-feira, 22 de junho de 2012

O que fazer quando não há uma igreja fiel onde vives? (conselhos do reformador John Knox)


Nota do autor do Blog: A Igreja Puritana Reformada no Brasil, junto com suas demais congregações, está pronta e disposta para ajudar qualquer irmão ou irmã (em qualquer lugar do Brasil e, porque não, do mundo) que esteja necessitando de ajuda quanto à falta de uma igreja bíblica para congregar. 


Caso possamos lhe ser úteis, envie um e-mail para filipe@reformahoje.com.br

_________
Conselhos Saudáveis de uma Epístola de John Knox dirigida a seus irmãos na Escócia

Prólogo do tradutor*: Esta epístola foi escrita em momentos muito turbulentos. Após anos como clérigo anglicano e um dos mais destacados conselheiros da Coroa britânica, John Knox tivera que fugir e se exilar em Genebra, devido a ascensão da rainha católico-romana Maria Tudor, a chamada "Sanguinária". Nesse período de exílio (1553-1559) estudou na Academia de Genebra sob a tutela de João Calvino e pastoreou igrejas de exilados ingleses em Frankfurt e Genebra. Mas seu coração estava voltado para a Escócia, onde fora padre e onde desejava implantar uma igreja nacional nos moldes de Genebra (o que veio a se tornar realidade poucos anos depois com a Igreja Presbiteriana da Escócia). Diante desse profundo desejo que dominava seu coração, em 1557 (enquanto pastoreava em Genebra) escreveu a presente epístola aos protestantes escoceses, elogiando sua perseverança e instando para que se mantivessem atados a Palavra de Deus e aconselhando acerca de como deveriam realizar seus cultos (já demonstrando estar longe do rito anglicano e mais próximo do que no futuro seria chamado de puritanismo [...]

________________________
Meus queridos Irmãos, não tanto para instruir-lhes como para deixar-lhes algo do testemunho de meu amor por vocês, tenho tido como algo bendito comunicar-lhes meus humildes conselhos de como quero que se conduzam em meio a esta geração maligna e perversa, no tocante ao exercício da mais que santíssima Palavra de Deus, sem a qual não se pode aumentar o conhecimento, nem manifestar-se a piedade, nem se pode perpetuar o fervor espiritual entre vós. Porque como a Palavra de Deus é o princípio da vida espiritual, sem a qual toda carne está morta na presença de Deus, e como é lâmpada para os nossos pés sem cujo resplendor toda a posteridade de Adão caminha em trevas; e como é o fundamento da fé, sem a qual nenhum homem pode compreender a boa vontade de Deus, assim também é o único meio e instrumento que Deus usa para fortalecer os fracos, consolar aos afligidos, trazer misericórdia e arrependimento para aqueles que se tem desviado, e finalmente para preservar e guardar a própria vida na alma contra toda investida e tentação.

Portanto, se quereis que vosso conhecimento cresça, que vossa fé seja confirmada, que vossas consciências sejam aquietadas  e consoladas, ou que finalmente a vida se preserve em vossa alma, vigiais para que vos exerciteis frequentemente na lei do Senhor vosso Deus. Não tenhais como pouco os preceitos que Moisés deu aos Israelitas nestas palavras: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te. Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas.” (Deut. 6.6-9). E Moisés, em outro lugar, lhes mandou que “lembrassem da lei do Senhor Deus, em cumpri-la para que lhes vá bem a eles e seus filhos na terra que o Senhor seu Deus lhes daria”. Dando a entender, que a frequência em lembrar e repetir os preceitos de Deus é o meio pelo qual o temor de Deus (que é o princípio de toda sabedoria e prazer), se mantém vivo na mente; assim como também a negligencia e o esquecimento dos benefícios recebidos de Deus é o primeiro passo para afastar-se de Deus.

Agora, se a Lei, a qual por causa de nossa fraqueza não gera coisa alguma senão ira e enojo, foi tão eficaz (tanto que era recordada e repetida para que fosse cumprida) e trouxe ao povo uma bênção temporal, que diremos pois que nos trará o glorioso Evangelho de Cristo Jesus se for tratado com reverencia? Paulo lhe chama cheiro de vida para aqueles que receberam vida, usando a semelhança com ervas aromáticas ou unguentos preciosos, cuja natureza é que quanto mais se passam, enviam seu aroma mais agradável e deleitável; assim também, amados irmãos, é o bendito Evangelho de Jesus nosso Senhor. Porque quanto mais o expomos, mais confortável e agradável é para aqueles que o escutam, ou lêem, ou se exercitam nele. Não ignoro, que como os israelitas se fatigaram do maná, porque era o único alimento que viam e comiam diariamente, assim também agora há alguns que depois de ler algumas porções da Escritura, se voltam completamente à escritores profanos ou escritos humanos. Porque a variedade de assuntos que estes contém trazem em si deleite diário. Por outro lado, dentro das Escrituras de Deus que não tem muito adorno humano em si, a repetição de uma coisa lhes é fastidiosa e cansativa. Confesso que esta tentação pode entrar nos próprios eleitos por um tempo, porém é impossível que continue neles até o fim. Porque os eleitos de Deus, além de outros sinais evidentes, tem sempre este unido com os demais, que os eleitos de Deus são chamados para fora da ignorância (falo dos que já tem idade de compreensão) para gozar e sentir algo da misericórdia de Deus, da qual nunca estão satisfeitos nesta vida, senão que ocasionalmente tem fome e sede para comer o pão que desce do céu e beber a água que jorra para a vida eterna. O qual não podem fazer senão pelo intermédio ou instrumento da Fé, e a Fé sempre olha para a vontade de Deus revelada pela Palavra, de maneira que a Fé tem tanto seu  princípio como sua continuação na Palavra de Deus. E por isso digo que é impossível que os filhos escolhidos de Deus possam depreciar ou rejeitar a palavra de sua salvação por muito tempo, como tampouco possam, fatigar-se dela no fim.

É algo comum que os eleitos de Deus sejam mantidos em tal escravidão e servidão, de tal maneira que eles não podem conseguir que se lhes dê o pão da vida, como tampouco tem a liberdade para exercitar-se eles próprios na Palavra de Deus. Contudo eles não se fatigam, antes bem anelam com gozo o alimento de suas almas, antes bem acusam sua negligência anterior, antes bem lamentam a miserável aflição de seus irmãos. E clamam e pedem em seus corações (e também em público onde podem) que corra livremente o Evangelho. Esta fome e esta sede confirmam que há vida em suas almas. Porém se tais homens, que tendo a liberdade para ler e exercitar a si mesmo nas Sagradas Escrituras, começam a fatigar-se porque quase sempre leem o mesmo, eu lhes pergunto, por que não se cansam também de comer o pão diário? Por que não se cansam de usar as demais criaturas de Deus que mantém diariamente sua própria substância, curso e natureza? Penso que responderão: “Pois tais criaturas tem um poder [quantas vezes são usadas para matar a fome e a sede e para infundir fôlego e força] para preservar a vida.” Oh, miseráveis criaturas! Quem atreve-se a atribuir-lhe mais poder e força a criaturas corruptíveis em nutrir e preservar o corpo humano mortal, que a Palavra eterna de Deus em nutrir a alma que é imortal! Querer raciocinar com sua abominável ingratidão não é agora meu propósito. Mas a vós, queridos Irmãos, lhes compartilho meu conhecimento e lhes abro minha consciência, que assim como tão necessário é o uso da comida e da bebida para preservar a vida física, e assim como tão necessário é o calor e a luz do sol para dar vida a erva e para dissipar as trevas; assim também é necessária para a vida eterna e para a iluminação e luz da alma a meditação, o exercício e o uso perpétuo da sagrada Palavra de Deus.

Portanto, queridos Irmãos, se anelam a vida vindoura, por necessidade deveis exercitar a vós mesmos no Livro do Senhor vosso Deus. Que não passe nem um dia sem que recebais algum consolo da boca de Deus. Abris os vossos ouvidos, e Ele falará coisas deleitáveis aos vossos corações. Não cerreis os vossos olhos, antes com diligencia contempleis que porção substanciosa vos é deixada no testamento de vosso Pai. Que vossas línguas aprendam a exaltar Sua tenra bondade, cuja única misericórdia vos tem chamado das trevas à luz, e da morte à vida. Tampouco façais isto tão privadamente que não permitais testemunhas. Não, Irmãos, o Senhor Deus vos manda que governeis vossas casas em seu verdadeiro temor e de acordo com sua Palavra. Dentro de vossas casas, digo, em alguns casos, sois bispos e reis; vossa esposa, filhos e família é vosso episcopado e encargo. Disto se lhes pedirá, acerca de quanto cuidado e diligencia usastes para instruí-los no conhecimento verdadeiro de Deus, de como procurastes implantar virtudes e reprimir vícios. Portanto, digo, que deveis fazê-los participantes da leitura, da exortação, e das orações comuns, a qual deveria fazer-se em cada lar pelo menos uma vez ao dia. Mas, acima de tudo, queridos Irmãos, procurai praticar diariamente e viver o que manda a Palavra de Deus, e então comprovareis que nunca ouvireis nem lereis o mesmo sem que obtenhais algum fruto. Creio que isto é suficiente para os exercícios dentro de vosso lar.

Considerando que Paulo chama a congregação “o corpo de Cristo”, da qual cada um de nós somos um membro, e ensinando-nos que nenhum membro pode sustentar-se e alimentar-se por si mesmo sem a ajuda e o apoio de outro; creio que é necessário que se tenham estudos e conferências sobre as Escrituras como reuniões entre irmãos. Como Paulo nos dá a ordem que se deve observar para isto (1 Co 14.26-39), somente quero assinalar que quando vos reunires, que seria bom fazê-lo uma vez na semana, que vosso começo fosse confessando vossas ofensas e implorando que o Espírito do Senhor Jesus vos assista em todos os vossos projetos e metas espirituais. Depois que se leia alguma porção das Escrituras clara e modestamente, tanto que se creia suficiente para essa ocasião ou período. Quando se tenha terminado, se algum irmão tem exortação, pergunta, ou dúvida que não tenha temor em falar ou expor ali mesmo, fazendo-o com moderação, seja para edificar ou para edificar-se; E disto não duvido que virá grande proveito. Porque, primeiro, ao ouvir, ler, e estudar as Escrituras nestas reuniões, ajudarão a examinar o juízo e a atitude das pessoas, sua paciência e modéstia serão conhecidas, e finalmente manifestaram seus dons e expressões. Por outro lado devem evitar-se em toda ocasião e em todo lugar o falatório, as interpretações longas e néscias e a teimosia em pontos controvertidos. Porém acima de tudo quando se reunirem como igreja, ali nada deve levar-se em conta mais do que a glória de Deus e o consolo ou edificação dos irmãos.

Ademais, me agradaria, que na leitura das Escrituras, tomassem juntos alguns livros do Antigo Testamento e alguns do Novo, como Gênesis e algum dos Evangelhos, Êxodo com outro livro, etc., mas sempre terminando os livros que começastes (segundo o tempo permitir). Pois vos confortará o ouvir a harmonia e o acordo do Espírito Santo falando em nossos pais desde o princípio. Vos confirmará nestes dias perigosos ao contemplar a face de Jesus Cristo, o amado esposo, e sua igreja, desde Abel até o próprio Cristo, e de Cristo até este dia, que há unidade e um mesmo propósito em todas as gerações. Estudeis com frequência os Profetas e as Epístolas de Paulo. Pois a abundância de assuntos grandemente confortadores que se acham ali requer exercício e boa memória. De igual maneira assim como vossas reuniões devem começar com confissão e súplica do Espírito de Deus, assim também deveriam terminar com ações de graças e intercessões pelos governantes e magistrados, pela liberdade do Evangelho de Cristo para que corra livremente, pelo consolo e libertação de nossos irmãos que agora se encontram debaixo da tirania e da servidão, e por outras coisas tais que o Espírito do Senhor Jesus Cristo vos ensinar que é proveitoso, seja para vós mesmos, ou para vossos irmãos donde quer que estejam.

Se assim (ou algo melhor) ouço que vos exercitais a vós mesmos, queridos Irmãos, então louvarei a Deus por vossa grande obediência, como também por aqueles que tem recebido a palavra da graça não somente com gozo, mas também com solicitude e diligência, e guardam a mesma como um tesouro e uma joia preciosíssima. E porque não tenho suspeitas de que fareis o contrário, não usarei de ameaças. Pois minhas esperanças sinceras são que caminhareis como filhos da luz no meio desta geração perversa, que sereis como estrelas durante a noite (que não se tornem trevas), que sereis como trigo entre a discórdia, e que no entanto não mudareis vossa natureza que recebestes pela graça, através da comunhão e participação que temos com o Senhor Jesus Cristo em seu corpo e em seu sangue. E finalmente, que estareis contados entre as virgens prudentes, que diariamente arrumam e enchem suas lâmpadas com azeite, embora guardem com paciência a aparição gloriosa e próxima do Senhor Jesus Cristo, cujo Espírito onipotente governe, instrua, ilumine e console vossas mentes e corações em toda prova agora e para sempre. Amém.

A graça do Senhor Jesus Cristo repouse convosco.
Lembrai-vos de minhas fraquezas em vossas orações. 7 de Julho de 1556
Vosso sincero irmão,
JOHN KNOX

2 comentários:

  1. Pelo que entendi, a melhor forma de seguir, não tendo igreja bíblica por perto, é reunir uns irmãos em Cristo e cultuar. Estou certo?

    ResponderExcluir
  2. Se Deus escreveu a Bíblia e Ele é perfeito, como ele pode ser orgulhoso?

    ResponderExcluir

Por favor, comente este texto. Suas críticas e sugestões serão úteis para o crescimento e amadurecimendo dos assuntos aqui propostos.

O culto online e a tentação do Diabo

Você conhece o plano de fundo deste texto olhando no retrovisor da história recente: pandemia, COVID-19... todos em casa e você se dá conta ...