Exposição em Efésios -
Sermão pregado dia 29.04.2012
"Descobrindo-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo" (Ef 1.9).
É preciso que em nossas mentes esteja bem claro qual o intento do apóstolo Paulo com essa sentença de hoje. Não são poucos os casos em que os homens têm deturpado a palavra do Altíssimo e dado um significado completamente alheio ao intentado pelo Senhor. Por isso, já de imediato, precisamos nos relembrar de três aspectos importantíssimos para a vida cristã:
Em primeiro lugar, o Antigo e Novo Testamento não estão separados por um abismo monstruoso, a ponto de nós não conseguirmos sequer enxergar algo "do outro lado" (isto é, o AT). Um dos princípios básicos do cristianismo é que a Escritura é uma unidade, uma única coisa e, portanto, não pode haver uma ruptura entre os Testamentos (alianças). Em segundo lugar, Jesus Cristo estava presente já no Antigo Testamento. No conhecido versículo de Lucas (24.44), nosso Senhor afirma que tudo que ocorria naqueles tempos dizia respeito e apontava à sua pessoa, de modo que Ele já era atuante na vida daqueles crentes veterotestamentários. Em terceiro lugar, sempre e em todo o momento os crentes foram salvos por meio de Cristo Jesus. Jamais houve um só homem nessa terra que tenha sido salvo pela mera "esperança" ou por uma "fé" em outra coisa que não o Senhor. Muitos têm alegado que no Antigo Testamento os crentes eram salvos pela Lei, mas afirmar isso é uma abominação e ultraje contra o Eterno, pois basta-nos ler Hebreus 11 e nos será mui clarividente que todos aqueles santos viveram, morreram e foram salvos pela fé. Ora, se a fé só é possível através do Espírito de Deus e que tudo converge em Cristo, então, como alguém ousaria afirmar que há salvação em algum outro (como, por exemplo, pela obediência à Lei)? - "E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos" (At 4.12). Em quarto lugar, embora seja verdadeiro que a Escritura é una, há sim uma diferença entre os Testamentos, mas que fique bem estabelecido que essa diferença não é em relação à salvação, isto é, no Novo Testamento não foi iniciado um novo meio de se salvar. Porém, podem-se perguntar alguns: onde podemos nos basear para afirmar tal preposição? Vejamos:
Nosso Salvador disse: "Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim" (Jo 14.6). Ele não disse: "Eu sou o caminho, e a verdade e a vida, hoje, nesses dias, ninguém vem ao Pai, senão por mim." A afirmação de Jesus tem como finalidade a demonstração de que em todos os tempos a salvação se deu pelo Seu nome. Contudo, quem poderia ser salvo no Antigo Testamento? O apóstolo Paulo nos diz: "Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos homens; Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo" (Ef 2.11-12). O apóstolo deixa-nos bastante claro que antes da vinda de Cristo, tão somente o povo judeu (os que verdadeiramente seguiam os mandamentos e se apegavam à fé no Cristo que viria) era salvo, de modo que todo o restante do mundo estava condenado e morria sem a salvação do Eterno. Portanto, temos aqui a salutar diferença: a vinda de Cristo inaugurou uma nova aliança, não mais somente com o povo judeu, mas com todas as nações (Mt 28.19-20) - se, então, com todas as nações, é preciso lembrar que Lei do Senhor continua vigorando entre todos os povos (pois é por ela que Ele julga), quer desejem ou não.
Contudo, embora isso que afirmamos pareça ser comumente defendido por todos os crentes de hoje, muitos tem pervertido o sentido da vinda de Cristo, como se Ele tivesse vindo a fim de criar uma nova regra, um novo meio de viver, uma forma completamente oposta a tudo que Ele mesmo representava no Antigo Testamento! Notemos, por exemplo, o fato do batismo - quantos são os homens que afirmam que no Novo Testamento as crianças não devem ser mais batizadas? Acaso, mesmo com nossa limitação de pensamento, conseguiríamos conceber um judeu que desde sempre entendeu que seu filho fazia parte da aliança com Deus (vide as declarações pactuais feitas pelo Senhor com seu povo - "eu serei o seu Deus e vocês serão o meu povo") e, "de repente", fora ensinado que seu(s) filho(s) não mais fazia parte da família de Deus? Ora, se assim tivesse sido, talvez pensasse ele, "que tipo de Messias é esse que vem piorar a situação de meus filhos?" Outro fato também é com respeito a Lei, pois não são poucas as pessoas que se baseiam na graça de Deus no Novo Testamento, como se no Antigo ela não estivesse presente! Muitos têm afirmado que Jesus veio abolir a Lei, como se viesse para destruí-la - mas, perguntamo-nos: donde retiraram tal afirmação? Penso que esse ensinamento vil e corrompido é advindo do mau entendimento acerca da unidade da Escritura, pois uma vez que a Bíblia Sagrada representa toda a revelação de Deus, então Deus não pode negar a si mesmo e n'Ele não reside qualquer sombra de variação (Tg 1.17).
Aqui, então, começamos a vislumbrar o intento do apóstolo com as seguintes palavras: "Descobrindo-nos o mistério da sua vontade". O mistério que o Senhor veio nos trazer é a realização plena de Seu Filho Jesus. Ao contrário do que muitos homens incautos têm afirmado, a palavra "mistério" não significa algo não revelado, isto é, o apóstolo não está dizendo aos crentes de Éfeso que Jesus lhes trouxe um novo "mistério", como que querendo dizer que tudo na vida é misterioso, sem entendimento pleno, que qualquer coisa se enquadra em "mistério". Homens bem versados na língua grega afirmam que a palavra "mistério" tem o significado de "descoberto". Diz-se [1] que nos tempos gregos antigos (Paulo utilizou-se dessa expressão também junto a Corinto, na Grécia), era comum que o povo (ou os "sábios") se ajuntasse e alguém contasse algum história, algum enigma, algo que precisava ser desvendado e, então, por fim, perguntava aos ouvintes: "qual o mistério?" - isto é, "qual a solução para esse caso proposto?" Os versículos abaixo corroboram com esse entendimento:
- "Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado" (Mt 13.11).
- "Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados" (1 Co 15.51).
- "A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo, E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo" (Ef 3.8-9).
O próprio Cristo afirma aos seus discípulos que a eles foi dado conhecer "os mistérios do reino dos céus", pois Ele não viera inaugurar um tempo de mistérios e enigmas, mas justamente o contrário, ou seja, que viera inaugura a plenitude dos tempos, a descoberta de tudo aquilo que estava encoberto pelas sombras do Antigo Testamento! Oh! Quão diferente é a abordagem de Cristo em relação à correntes "teológicas" de nossos dias, onde tudo que é de difícil compreensão é tido como um "mistério", sempre procurando persuadir-nos de que tudo é obscuro, tudo é oculto, a vontade de Deus não nos é conhecida, o entendimento está alheio a nós, a revelação nos é desconhecida...
Como crentes pensantes e desejosos de conhecer a vontade de Deus, devemos ter a certeza de que não nos há mais mistérios por parte de Deus - sim, certamente que nem tudo nos é alcançável e que ainda nos resta boa dose de incompreensão quanto a certas coisas, pois ainda vivemos como pecadores e não adentramos a cidade celestial -, pois aprove ao Pai revelar seu filho Jesus aos crentes judeus e também estender o chamado à todas as nações.
Foi por esse motivo que o apóstolo continuou e afirmou: "segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo". Paulo está nos dizendo que Jesus Cristo veio ao mundo quando, como e porque desejou. O apóstolo também informa aos filipenses sobre essa atitude de Jesus Cristo: "Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz" (Fp 2.4-8). Cristo, junto com o Espírito Santo e com o Pai (pois, embora três, são apenas um), teve por bem o vir para a terra, esvaziar-se a si mesmo, isto é, negar Sua glória e mais sublime comunhão que tinha com o Pai, e, então, assumir a forma de servo, humilhar-se, ser obediente a vontade do Pai e morrer a morte de cruz. A palavra de Deus quer deixar-nos o mais claro possível que Cristo veio por livre e espontânea vontade. Como já se afirmou em algum lugar, "se há alguém que tem livre arbítrio, esse alguém é Deus".
Notemos que o apóstolo Paulo utiliza-se reiteradas vezes da afirmação de que o Senhor faz tudo conforme lhe agrada e tudo de acordo com o que deseja - todos os versículos anteriores falam, de alguma maneira, de que tudo que temos vem do Senhor. O próprio salmista também deixou isso claro quando disse: "[...] o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou" (Sl 115.3).
Portanto, é preciso que os crentes em Jesus Cristo entendam que não nos há mais mistérios em relação à revelação de Deus, ou seja, diferentemente do Antigo Testamento onde Cristo estava representado pelas coisas físicas (os sacrifícios, os rituais, as peregrinações...) e que eram sombras do que haveria de vir, hoje nós vivemos na plenitude dos tempos (Paulo nos ensinará melhor sobre isso no próximo versículo e também no próximo capítulo) e isso tem grande significado para nós. Atentemos, então, para três aplicações com relação ao mistério revelado pelo Senhor:
1. Todo homem é indesculpável diante do Senhor, pois o Seu Filho foi revelado. Quando o apóstolo Paulo trata da revelação natural, ele diz: "Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis" (Rm 1.20). Aqui, Paulo não está dizendo que pode-se ser salvo apenas olhando para a natureza, mas sim que a criação de Deus revela Seu poder criativo, sustentador e mantenedor de todas as coisas, de modo que todos os homens são indesculpáveis diante do Senhor, pois de um modo ou de outro, todos os homens reconhecem que deve haver um "ser superior" que a tudo controla. E, aqui, podemos seguramente afirmar tal coisa, pois visto que as Escrituras não podem conter contradição, é preciso que passagem de Paulo seja entendida como que explicando que a revelação natural não serve para salvar os homens, mas sim para os condenar. O modo de salvação foi explanado por ele mais para frente, quando disse: "De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus" (Rm 10.17). Ouvir, ler, conversar sobre, ter contato com a palavra de Deus, é o que leva a fé ao homem (pois ela é um dom de Deus - Ef 2.8).
Tendo nós, então, a revelação completa do Senhor em Seu Filho e em Sua palavra, podemos compreender que todos os crentes devem se dedicar à leitura firme da Santa Escritura do Altíssimo, pois não estamos esperando outra revelação, não vivemos mais como os judeus nas sombras da realidade, mas sim já nos áureos tempos onde Cristo foi revelado e a mensagem do Senhor se tornou plena. Se estamos já na plenitude, isto é, no tempo "completo" (apenas ansiando o findar dele), então não temos motivo algum para procrastinarmos nossa devoção e leitura da palavra, pois se toda ela é divinamente inspirada (2 Tm 3.16-17), então ou nos dedicamos firmemente a ela e buscamos conhecer ao Senhor Jesus Cristo tão somente através de suas páginas, ou seria melhor que abandonássemos a fé e voltássemos para o mundo, pois viver na plenitude e ter a completa revelação de Deus, mas relegá-la a pouca coisa, é um dos piores pecados que pode-se cometer.
2. A revelação de Deus (Sua palavra) para nós está completa. Uma vez que a Escritura teve sua completude, então precisamos atentar para o precioso compêndio de livros que temos em nossas mãos. Certa vez diz-se que Lutero afirmou ser a palavra de Deus externa e fixa, isso é, não está em nós, como se fôssemos os responsáveis por ditá-la - está fora de nós; mas, embora esteja fora, é fixa e imutável, pois depreende-se do Altíssimo.
É necessário que compreendamos o valor de termos a palavra de Deus em sua totalidade, pois sendo isso verdade, então não podemos e nem devemos buscar novas revelações. Aquilo que o Senhor intentou que soubéssemos sobre o céu e inferno, por exemplo, não é "ampliado" por livros contrários à palavra de Deus e que se baseiam em supostas "experiências espirituais". Tudo deve passar pelo crivo da Escritura e, uma vez que o apóstolo nos deixa claríssimo que toda a Escritura é divinamente inspirada, então, ao mesmo tempo ele está dizer que somente a Escritura assim o é e tão somente ela é quem pode nos fazer perfeitos e perfeitamente habilitados para toda boa obra. Ninguém e nenhum livro deve buscar revelar coisas contrárias à Escritura, pois agir dessa maneira (e colaborar com ela - comprando livros e indo em conferências, por exemplo) é agir de modo contrário ao Senhor e aliar-se ao inimigo.
3. A vontade de Deus não é subjetiva, mas objetiva. Por fim, é necessário que recordemos que todo o necessário para nossa vida está diretamente especificado nas Escrituras. Com o termo diretamente quero enfatizar que as doutrinas do Senhor podem e devem ser entendidas por todos os cristãos. Não há ninguém que precise ser arrebatado ao terceiro céu para então compreender a verdade do Senhor, pois aprouve a Ele revelar-se de modo objetivo, isto é, ainda que possam conter pontos "obscuros", a boa e sensata interpretação (sempre sob a iluminação e guia do Espírito Santo) é capaz de compreender a vontade do Senhor, pois se assim não fosse, qual o intuito de lermos as Santas Letras se não a pudéssemos entender?
As maravilhosas palavras da Bíblia revelam-nos que o ponto chave da interpretação não é o homem, mas sim a própria Escritura. Quem define a doutrina é a Escritura, quem ensina como ela deve ser aplicada é a própria Palavra, quem admoesta e fala das bênçãos de sua observância é a revelação do Senhor (isto é, a própria Bíblia). Jamais teremos qualquer autorização para interpretarmos a Bíblia de forma "livre" e descompromissada, pois estando cientes de que a palavra de Deus é advinda do Altíssimo, então nela não podem residir várias e muitíssimas interpretações desconexas, pois nosso Deus não é Senhor de confusão, mas de ordem e solenidade.
Que possamos nessa noite agradecer ao Senhor pelos Seus feitos gloriosos e somente a Ele render graças, pois assim como os partícipes dos dias de Cristo, nós também somos igualmente abençoados, de forma que nada nos falta quanto à doutrina e salvação em nosso Jesus Cristo.
Nota:
[1] MOREIRA, Ademir - Professor e Diretor do Instituto Malleus Dei (confirmado também em pesquisas pela internet).
É preciso que em nossas mentes esteja bem claro qual o intento do apóstolo Paulo com essa sentença de hoje. Não são poucos os casos em que os homens têm deturpado a palavra do Altíssimo e dado um significado completamente alheio ao intentado pelo Senhor. Por isso, já de imediato, precisamos nos relembrar de três aspectos importantíssimos para a vida cristã:
Em primeiro lugar, o Antigo e Novo Testamento não estão separados por um abismo monstruoso, a ponto de nós não conseguirmos sequer enxergar algo "do outro lado" (isto é, o AT). Um dos princípios básicos do cristianismo é que a Escritura é uma unidade, uma única coisa e, portanto, não pode haver uma ruptura entre os Testamentos (alianças). Em segundo lugar, Jesus Cristo estava presente já no Antigo Testamento. No conhecido versículo de Lucas (24.44), nosso Senhor afirma que tudo que ocorria naqueles tempos dizia respeito e apontava à sua pessoa, de modo que Ele já era atuante na vida daqueles crentes veterotestamentários. Em terceiro lugar, sempre e em todo o momento os crentes foram salvos por meio de Cristo Jesus. Jamais houve um só homem nessa terra que tenha sido salvo pela mera "esperança" ou por uma "fé" em outra coisa que não o Senhor. Muitos têm alegado que no Antigo Testamento os crentes eram salvos pela Lei, mas afirmar isso é uma abominação e ultraje contra o Eterno, pois basta-nos ler Hebreus 11 e nos será mui clarividente que todos aqueles santos viveram, morreram e foram salvos pela fé. Ora, se a fé só é possível através do Espírito de Deus e que tudo converge em Cristo, então, como alguém ousaria afirmar que há salvação em algum outro (como, por exemplo, pela obediência à Lei)? - "E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos" (At 4.12). Em quarto lugar, embora seja verdadeiro que a Escritura é una, há sim uma diferença entre os Testamentos, mas que fique bem estabelecido que essa diferença não é em relação à salvação, isto é, no Novo Testamento não foi iniciado um novo meio de se salvar. Porém, podem-se perguntar alguns: onde podemos nos basear para afirmar tal preposição? Vejamos:
Nosso Salvador disse: "Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim" (Jo 14.6). Ele não disse: "Eu sou o caminho, e a verdade e a vida, hoje, nesses dias, ninguém vem ao Pai, senão por mim." A afirmação de Jesus tem como finalidade a demonstração de que em todos os tempos a salvação se deu pelo Seu nome. Contudo, quem poderia ser salvo no Antigo Testamento? O apóstolo Paulo nos diz: "Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos homens; Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo" (Ef 2.11-12). O apóstolo deixa-nos bastante claro que antes da vinda de Cristo, tão somente o povo judeu (os que verdadeiramente seguiam os mandamentos e se apegavam à fé no Cristo que viria) era salvo, de modo que todo o restante do mundo estava condenado e morria sem a salvação do Eterno. Portanto, temos aqui a salutar diferença: a vinda de Cristo inaugurou uma nova aliança, não mais somente com o povo judeu, mas com todas as nações (Mt 28.19-20) - se, então, com todas as nações, é preciso lembrar que Lei do Senhor continua vigorando entre todos os povos (pois é por ela que Ele julga), quer desejem ou não.
Contudo, embora isso que afirmamos pareça ser comumente defendido por todos os crentes de hoje, muitos tem pervertido o sentido da vinda de Cristo, como se Ele tivesse vindo a fim de criar uma nova regra, um novo meio de viver, uma forma completamente oposta a tudo que Ele mesmo representava no Antigo Testamento! Notemos, por exemplo, o fato do batismo - quantos são os homens que afirmam que no Novo Testamento as crianças não devem ser mais batizadas? Acaso, mesmo com nossa limitação de pensamento, conseguiríamos conceber um judeu que desde sempre entendeu que seu filho fazia parte da aliança com Deus (vide as declarações pactuais feitas pelo Senhor com seu povo - "eu serei o seu Deus e vocês serão o meu povo") e, "de repente", fora ensinado que seu(s) filho(s) não mais fazia parte da família de Deus? Ora, se assim tivesse sido, talvez pensasse ele, "que tipo de Messias é esse que vem piorar a situação de meus filhos?" Outro fato também é com respeito a Lei, pois não são poucas as pessoas que se baseiam na graça de Deus no Novo Testamento, como se no Antigo ela não estivesse presente! Muitos têm afirmado que Jesus veio abolir a Lei, como se viesse para destruí-la - mas, perguntamo-nos: donde retiraram tal afirmação? Penso que esse ensinamento vil e corrompido é advindo do mau entendimento acerca da unidade da Escritura, pois uma vez que a Bíblia Sagrada representa toda a revelação de Deus, então Deus não pode negar a si mesmo e n'Ele não reside qualquer sombra de variação (Tg 1.17).
Aqui, então, começamos a vislumbrar o intento do apóstolo com as seguintes palavras: "Descobrindo-nos o mistério da sua vontade". O mistério que o Senhor veio nos trazer é a realização plena de Seu Filho Jesus. Ao contrário do que muitos homens incautos têm afirmado, a palavra "mistério" não significa algo não revelado, isto é, o apóstolo não está dizendo aos crentes de Éfeso que Jesus lhes trouxe um novo "mistério", como que querendo dizer que tudo na vida é misterioso, sem entendimento pleno, que qualquer coisa se enquadra em "mistério". Homens bem versados na língua grega afirmam que a palavra "mistério" tem o significado de "descoberto". Diz-se [1] que nos tempos gregos antigos (Paulo utilizou-se dessa expressão também junto a Corinto, na Grécia), era comum que o povo (ou os "sábios") se ajuntasse e alguém contasse algum história, algum enigma, algo que precisava ser desvendado e, então, por fim, perguntava aos ouvintes: "qual o mistério?" - isto é, "qual a solução para esse caso proposto?" Os versículos abaixo corroboram com esse entendimento:
- "Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado" (Mt 13.11).
- "Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados" (1 Co 15.51).
- "A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo, E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo" (Ef 3.8-9).
O próprio Cristo afirma aos seus discípulos que a eles foi dado conhecer "os mistérios do reino dos céus", pois Ele não viera inaugurar um tempo de mistérios e enigmas, mas justamente o contrário, ou seja, que viera inaugura a plenitude dos tempos, a descoberta de tudo aquilo que estava encoberto pelas sombras do Antigo Testamento! Oh! Quão diferente é a abordagem de Cristo em relação à correntes "teológicas" de nossos dias, onde tudo que é de difícil compreensão é tido como um "mistério", sempre procurando persuadir-nos de que tudo é obscuro, tudo é oculto, a vontade de Deus não nos é conhecida, o entendimento está alheio a nós, a revelação nos é desconhecida...
Como crentes pensantes e desejosos de conhecer a vontade de Deus, devemos ter a certeza de que não nos há mais mistérios por parte de Deus - sim, certamente que nem tudo nos é alcançável e que ainda nos resta boa dose de incompreensão quanto a certas coisas, pois ainda vivemos como pecadores e não adentramos a cidade celestial -, pois aprove ao Pai revelar seu filho Jesus aos crentes judeus e também estender o chamado à todas as nações.
Foi por esse motivo que o apóstolo continuou e afirmou: "segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo". Paulo está nos dizendo que Jesus Cristo veio ao mundo quando, como e porque desejou. O apóstolo também informa aos filipenses sobre essa atitude de Jesus Cristo: "Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz" (Fp 2.4-8). Cristo, junto com o Espírito Santo e com o Pai (pois, embora três, são apenas um), teve por bem o vir para a terra, esvaziar-se a si mesmo, isto é, negar Sua glória e mais sublime comunhão que tinha com o Pai, e, então, assumir a forma de servo, humilhar-se, ser obediente a vontade do Pai e morrer a morte de cruz. A palavra de Deus quer deixar-nos o mais claro possível que Cristo veio por livre e espontânea vontade. Como já se afirmou em algum lugar, "se há alguém que tem livre arbítrio, esse alguém é Deus".
Notemos que o apóstolo Paulo utiliza-se reiteradas vezes da afirmação de que o Senhor faz tudo conforme lhe agrada e tudo de acordo com o que deseja - todos os versículos anteriores falam, de alguma maneira, de que tudo que temos vem do Senhor. O próprio salmista também deixou isso claro quando disse: "[...] o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou" (Sl 115.3).
Portanto, é preciso que os crentes em Jesus Cristo entendam que não nos há mais mistérios em relação à revelação de Deus, ou seja, diferentemente do Antigo Testamento onde Cristo estava representado pelas coisas físicas (os sacrifícios, os rituais, as peregrinações...) e que eram sombras do que haveria de vir, hoje nós vivemos na plenitude dos tempos (Paulo nos ensinará melhor sobre isso no próximo versículo e também no próximo capítulo) e isso tem grande significado para nós. Atentemos, então, para três aplicações com relação ao mistério revelado pelo Senhor:
1. Todo homem é indesculpável diante do Senhor, pois o Seu Filho foi revelado. Quando o apóstolo Paulo trata da revelação natural, ele diz: "Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis" (Rm 1.20). Aqui, Paulo não está dizendo que pode-se ser salvo apenas olhando para a natureza, mas sim que a criação de Deus revela Seu poder criativo, sustentador e mantenedor de todas as coisas, de modo que todos os homens são indesculpáveis diante do Senhor, pois de um modo ou de outro, todos os homens reconhecem que deve haver um "ser superior" que a tudo controla. E, aqui, podemos seguramente afirmar tal coisa, pois visto que as Escrituras não podem conter contradição, é preciso que passagem de Paulo seja entendida como que explicando que a revelação natural não serve para salvar os homens, mas sim para os condenar. O modo de salvação foi explanado por ele mais para frente, quando disse: "De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus" (Rm 10.17). Ouvir, ler, conversar sobre, ter contato com a palavra de Deus, é o que leva a fé ao homem (pois ela é um dom de Deus - Ef 2.8).
Tendo nós, então, a revelação completa do Senhor em Seu Filho e em Sua palavra, podemos compreender que todos os crentes devem se dedicar à leitura firme da Santa Escritura do Altíssimo, pois não estamos esperando outra revelação, não vivemos mais como os judeus nas sombras da realidade, mas sim já nos áureos tempos onde Cristo foi revelado e a mensagem do Senhor se tornou plena. Se estamos já na plenitude, isto é, no tempo "completo" (apenas ansiando o findar dele), então não temos motivo algum para procrastinarmos nossa devoção e leitura da palavra, pois se toda ela é divinamente inspirada (2 Tm 3.16-17), então ou nos dedicamos firmemente a ela e buscamos conhecer ao Senhor Jesus Cristo tão somente através de suas páginas, ou seria melhor que abandonássemos a fé e voltássemos para o mundo, pois viver na plenitude e ter a completa revelação de Deus, mas relegá-la a pouca coisa, é um dos piores pecados que pode-se cometer.
2. A revelação de Deus (Sua palavra) para nós está completa. Uma vez que a Escritura teve sua completude, então precisamos atentar para o precioso compêndio de livros que temos em nossas mãos. Certa vez diz-se que Lutero afirmou ser a palavra de Deus externa e fixa, isso é, não está em nós, como se fôssemos os responsáveis por ditá-la - está fora de nós; mas, embora esteja fora, é fixa e imutável, pois depreende-se do Altíssimo.
É necessário que compreendamos o valor de termos a palavra de Deus em sua totalidade, pois sendo isso verdade, então não podemos e nem devemos buscar novas revelações. Aquilo que o Senhor intentou que soubéssemos sobre o céu e inferno, por exemplo, não é "ampliado" por livros contrários à palavra de Deus e que se baseiam em supostas "experiências espirituais". Tudo deve passar pelo crivo da Escritura e, uma vez que o apóstolo nos deixa claríssimo que toda a Escritura é divinamente inspirada, então, ao mesmo tempo ele está dizer que somente a Escritura assim o é e tão somente ela é quem pode nos fazer perfeitos e perfeitamente habilitados para toda boa obra. Ninguém e nenhum livro deve buscar revelar coisas contrárias à Escritura, pois agir dessa maneira (e colaborar com ela - comprando livros e indo em conferências, por exemplo) é agir de modo contrário ao Senhor e aliar-se ao inimigo.
3. A vontade de Deus não é subjetiva, mas objetiva. Por fim, é necessário que recordemos que todo o necessário para nossa vida está diretamente especificado nas Escrituras. Com o termo diretamente quero enfatizar que as doutrinas do Senhor podem e devem ser entendidas por todos os cristãos. Não há ninguém que precise ser arrebatado ao terceiro céu para então compreender a verdade do Senhor, pois aprouve a Ele revelar-se de modo objetivo, isto é, ainda que possam conter pontos "obscuros", a boa e sensata interpretação (sempre sob a iluminação e guia do Espírito Santo) é capaz de compreender a vontade do Senhor, pois se assim não fosse, qual o intuito de lermos as Santas Letras se não a pudéssemos entender?
As maravilhosas palavras da Bíblia revelam-nos que o ponto chave da interpretação não é o homem, mas sim a própria Escritura. Quem define a doutrina é a Escritura, quem ensina como ela deve ser aplicada é a própria Palavra, quem admoesta e fala das bênçãos de sua observância é a revelação do Senhor (isto é, a própria Bíblia). Jamais teremos qualquer autorização para interpretarmos a Bíblia de forma "livre" e descompromissada, pois estando cientes de que a palavra de Deus é advinda do Altíssimo, então nela não podem residir várias e muitíssimas interpretações desconexas, pois nosso Deus não é Senhor de confusão, mas de ordem e solenidade.
Que possamos nessa noite agradecer ao Senhor pelos Seus feitos gloriosos e somente a Ele render graças, pois assim como os partícipes dos dias de Cristo, nós também somos igualmente abençoados, de forma que nada nos falta quanto à doutrina e salvação em nosso Jesus Cristo.
Nota:
[1] MOREIRA, Ademir - Professor e Diretor do Instituto Malleus Dei (confirmado também em pesquisas pela internet).
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