Exposição em Efésios -
Sermão pregado dia 27.05.201
"Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa" (Ef 1.13 - grifo meu).
Visto que anteriormente o apóstolo proclamou à igreja de Éfeso sobre a importância que os judeus tinham para a vida e proclamação do reino de Deus, de modo que eles eram a glória primeira do Senhor, agora passa a lhes expor a bendita e grata felicidade de que, não obstante todo o tempo de escuridão e trevas de pecado e ignorância que viveram durante tanto tempo, aprouve ao Eterno lhes salvar e também incluí-los no pacto da graça e misericórdia divina. Paulo lhes acentua sobre a importância de reconhecerem que, embora os judeus sejam a glória do Senhor, eles também for enxertados na oliveira brava. O apóstolo Pedro também asseverou essa questão, a saber, de que o Altíssimo não levou em conta todos os séculos e milênios de ignorância em que em os povos gentios haviam vivido: "Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, e esperai inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo; Como filhos obedientes, não vos conformando com as concupiscências que antes havia em vossa ignorância" (1Pe 1.13-14). Assim como estes "estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia" (1Pe 1.1), também àqueles foram agraciados pela mão bondosa do Senhor, cuja benevolência lhes mostrou "o mistério da sua vontade" (Ef 1.9).
A apóstolo inicia sua declaração aos gentios de Éfeso ao lhes falar sobre a importância de não terem os judeus acima da estima determinada por Cristo e Sua equidade (justiça), pois Ele não se restringiu somente ao povo judeu, pois agora lhes alcançou a mão poderosa de Sua graça e os fez também serem a glória do Seu nome. Isso nos ensina que, se antes havia uma separação entre as etnias (ainda que "nem todos os que são de Israel são israelitas" (Rm 9.6)), agora aprouve ao Senhor reunir os povos e os fazer congregar sob Sua bandeira e cetro celestial, pois, como visto anteriormente, a prisão preventiva do Diabo foi decretada e agora os gentios podem experimentar a boa dádiva dos céus.
Contudo, nos é importante notar que o Senhor, por meio de Paulo, não prescreve aos gentios e lhes diz que somente a morte de Cristo é o que os fez salvos. Explico: a mera morte e ressurreição do Messias não aplicava automaticamente o perdão dos pecados, a regeneração e a vida eterna na vida de todos os gentios - era necessário algo mais. Esse "mais" é claramente compreendido - conforme já notamos - a partir do segundo ide dos discípulos de Jesus (Mt 28), onde eles são exortados e ordenado a irem não mais apenas aos arraiais judeus, mas sim que se espalhassem por sobre a terra e levassem a mensagem do evangelho - então lemos: "depois que ouvistes a palavra da verdade".
Paulo fala dessa clarividente verdade aos romanos, quando lhes explica, em outras palavras, por qual modo o Senhor opera a fé é no coração dos homens: "De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus" (Rm 10.17). O apóstolo, tanto para a igreja de Éfeso quanto para a de Roma, era inclinado a lhes persuadir sobre a necessidade de reconhecerem que somente foram salvos porque ouviram a palavra da verdade. De modo belo e magnífico, somos ensinados ainda hoje acerca dessa rica verdade, ou seja, que não há homem, mulher, jovem ou idoso que possa ser transformado pelo Senhor, a não ser pela Sua palavra da verdade.
Mas, o que é a palavra da verdade? O próprio Cristo, em Sua oração ao Pai, nos dá a resposta: "Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade" (Jo 17.17) [1]. Em tempos anteriores o salmista também escrevia essa suprema declaração: "A tua palavra é a verdade desde o princípio, e cada um dos teus juízos dura para sempre" (Sl 119.160). Somente a palavra do Senhor pode e deve ser a única verdade. Ao contrário do que os filósofos desejam nos incutir, não há múltiplas verdades, como é asseverado em outro lugar: "sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso" (Rm 3.4). Ainda que muitos tentem nos persuadir sobre as técnicas de crescimento de igreja, manuais para santificação (exterior) e regras de aconselhamento baseados na psicologia mundana, os cristãos podem e devem sempre estar firmes na presença do Santo Senhor e Governante de Suas vidas, pois enquanto Deuteronômio 4.2 e 2Tm 3.16-17 estiverem em nossas Bíblias, de modo algum poderemos acrescer ou diminuir qualquer ensino das Escrituras, pois toda ela nos é plenamente inspirada, restando-nos assim nada a consultar no mundanismo, humanismo, relativismo e misticismo, quer sejam travestidos ou não de pseudo-piedade-religiosa-cristã.
O apóstolo ainda deseja deixar bastante claro os irmãos de Éfeso sobre a importância de não apenas reconhecerem a palavra de Deus como sendo "a melhor de todas", e sim sobre a salutar tarefa de compreenderem que ela é a única que pode lhes livrar da tormenta e ira divina. Ao escrever aos irmãos de Corinto, lhes afirma: "Assim que, quanto ao comer das coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que o ídolo nada é no mundo, e que não há outro Deus, senão um só" (1Co 8.4). Ou seja, não é adequado apenas o reconhecimento do Senhor como "o melhor salvador", deve-se também repudiar todos os outros "deuses" e qualquer outra religião, por mais caridosa e moralmente piedosa que possa ser. É assim que o salmista retrata tais supostos deuses: "Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos dos homens. Têm boca, mas não falam; olhos têm, mas não vêem. Têm ouvidos, mas não ouvem; narizes têm, mas não cheiram. Têm mãos, mas não apalpam; pés têm, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta" (Sl 115.4-7). É nesse prisma, portanto, que o apóstolo afirma: "depois que ouvistes... o evangelho da vossa salvação" (grifo meu).
No entanto, para que ninguém compreendesse erroneamente tal doutrina e, talvez, começasse a afirmar que o mero pregar da palavra já era o fim em si mesmo, o apóstolo prossegue sua explanação e diz: "e, tendo nele também crido". Aqui, de modo sublime e glorioso, temos a ordenança de pregar o evangelho, mas também a importância vital de se reconhecer o estado lastimável em que se encontra e, finalmente, então crer no Senhor Jesus Cristo. A mensagem bíblica nunca foi apenas um chamado ao arrependimento, mas também a proclamação da verdade e da necessidade do coração passar a ser devoto do Senhor, pois assim lemos: "Arrependei-vos, e crede no evangelho" (Mc 1.15; At 3.19). É necessário que todo homem e mulher entenda a grandiosa tarefa que tem diante do Senhor, isto é, o olhar para a Lei de Deus, reconhecer sua condição lastimável e, então, compreender quem é Cristo Jesus e Sua obra vicária.
Observemos nesse ponto, ainda outra ênfase importante: "e, tendo nele também crido" (grifo meu). Crer no evangelho significa crer em Jesus Cristo, em Sua Lei e obra da cruz. Está fora de cogitação toda e qualquer aliança ou desvirtuação que se deseje fazer para com a associação indissolúvel do evangelho e pessoa de Cristo Jesus. "Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou" (1Jo 2.6). Nesse conhecido, mas infelizmente ignorado versículo, temos uma declaração por demais importante para todos os crentes, isto é, de que devemos viver exatamente como Cristo andou. Porém, muitos são os que têm apenas uma ideia genérica do que vem a ser isso, portanto, verifiquemos alguns quesitos e aplicações para se andar conforme o Mestre e então ser participante de Sua glória como gentios.
1. Odeie o pecado.
Não pense, sob nenhuma circunstância ou vã desculpa, que você pode amar o pecado. O profeta Oséias nos declara: "Chegarão os dias da punição, chegarão os dias da retribuição; Israel o saberá; o profeta é um insensato, o homem de espírito é um louco; por causa da abundância da tua iniqüidade também haverá grande ódio" (Os 9.7). Tiago também é certeiro ao proclamar: "Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus" (Tg 4.4). Não há cristão no mundo que possa sustentar uma fé devota, sem ao menos buscar odiar o pecado. Como já disse acertadamente certo homem do Senhor, "Enquanto o pecado não for amargo, Cristo não será doce". [2] Cristo, como não poderia ser diferente, odiava profundamente o pecado. Olhe para suas respostas aos fariseus e veja como tratou o próprio Diabo quando foi tentado - nunca houve trégua, Ele jamais suavizou Sua mensagem. Paulo deixou registrado: "Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis" (1Co 9.24). A luta contra o pecado é também uma corrida, pois enquanto não cruzarmos a linha de chegada (a morte física ou sermos levados pelo Senhor em Sua vinda gloriosa), o pecado constantemente nos baterá à porta e desejará tomar conta de nossos corações. Por isso é necessário que todo o crente busque odiar profundamente o pecado, afinal, ele foi a causa de nosso Senhor ter morrido na cruz em favor de todos os pecados de todos os Seus eleitos.
2. Observe e busque praticar a Lei do Senhor.
Andar como Ele andou não implica em simplesmente seguir os seus passos físicos, pois tais passos eram acompanhados do mais profundo zelo pela Lei do Senhor. Isto é confirmado por Ele mesmo, quando diz: "E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos" (Lc 24.44). Sendo o Messias a própria personificação da Lei do Senhor e, sendo Ele ativo no Antigo Testamento por meio das sombras que haveriam de vir, de modo algum poderia ter vindo ao mundo e rejeitado a Lei que representava Ele mesmo! Se Cristo tivesse despojado a Lei e a feito inútil no Novo Testamento, certamente que não estaríamos mais sob Sua tutela (pois teria sido revogada), contudo, aprouve ao Senhor que viesse e cumprisse a Lei em nosso lugar. Notemos, portanto, que a palavra cumprir é por demais diferente da palavra abolir, ensinando-nos que Cristo veio a ser a ovelha mansa que morreu sem abrir a boca (At 8.32), para que por Ele pudéssemos ter a vida eterna, haja vista ser necessário que alguém pagasse pelos pecados dos escolhidos do Senhor e que estavam mortos em delitos e ofensas (Ef 2) e que no dia da Sua visitação haveriam de ser resgatados pelo Eterno.
A própria Bíblia nos ensina outra vez que a Lei nos leva até Cristo, conforme claramente lemos: "De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados" (Gl 3.24). Assim, se alguém busca andar como Ele andou, mas se esquece da Lei do Antigo Testamento (e do Novo) e negligencia-a por completo (com a clara intenção de não as obedecer), certamente está andando por veredas inverídicas e que, salvo pela graça e misericórdia de Deus (louvado seja o Senhor!) que mudará o curso de tal conduta pecaminosa, tal pessoa perecerá, pois pensando que anda pelo caminho estreito, na verdade a porta larga é o que lhe espera. A Lei, portanto, precisa nos castigar e nos fulminar primeiramente, para então nos vermos completamente desprovidos de meios para se achegar ao Senhor e, por fim, clamarmos: "Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo" (Mt 8.2).
3. Nunca esteja satisfeito com sua condição espiritual.
Apesar de toda santidade, justiça, verdade e completa retidão que Jesus Cristo possuía na terra, as narrativas parecem querer nos ensinar sobre a importância de jamais nos darmos por satisfeitos em relação ao nosso viver em Cristo. Como semelhante a homem que havia se tornado (Hb 2.17), também padecia de fome, tristeza e cansaço que se abatia sobre seu ser. Entretanto, apesar de ser homem e também Deus, jamais fez pouco caso de sua humanidade, ao contrário, subjugou seu corpo e constantemente buscou estar junto de Seu Pai: "E, levantando-se de manhã, muito cedo, fazendo ainda escuro, saiu, e foi para um lugar deserto, e ali orava" (Mc 1.35). A Bíblia não relata-nos a que horas Jesus saiu, mas algo era certo: "fazendo ainda escuro". E para que nenhum aviltador da Palavra supostamente pensasse que anteriormente Jesus havia tido um dia "tranquilo", Marcos registrou: "E, tendo chegado a tarde, quando já se estava pondo o sol, trouxeram-lhe todos os que se achavam enfermos, e os endemoninhados. E toda a cidade se ajuntou à porta. E curou muitos que se achavam enfermos de diversas enfermidades, e expulsou muitos demônios" (Mc 1.32-34). Após um dia de grandes trabalhos em prol do Reino dos céus, não obstante ao Seu estupendo e certíssimo cansaço que sentida, levantou-se pela manhã "e ali orava".
Amados irmãos, precisamos aprender a andar como nosso bom Mestre andou. Não basta-nos ser levemente inclinados para a salvação, precisamos também reconhecer nosso contínuo estado pecaminoso, buscarmos arduamente e diariamente a comunhão com o Senhor, de modo que possamos aplicar as palavras da verdade que dizem: "Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra: a prostituição, a impureza, o afeição desordenada, a vil concupiscência, e a avareza, que é idolatria; Pelas quais coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência; Nas quais, também, em outro tempo andastes, quando vivíeis nelas" (Cl 3.5-7). Mas por que deveríamos agir assim? "pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos, E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou" (Cl 3.9-10).
Por fim, precisamos fazer uma ressalva e acalentar os corações desesperados. Olhemos para a galeria da fé (Hb 11) e notemos algo de suma importância: todos foram salvos pela fé em Cristo Jesus, não por "obras, para que ninguém se glorie" (Ef 2.9). O intento de toda a Lei, todos os mandamentos, todos os registros e ordenanças que nos são dados, são num primeiro tempo para que vejamos nossa completa incapacidade de os cumprir e, num segundo momento, para que nos desesperemos ante tal incapacidade e recorramos ao Senhor. Tiago nos diz sobre a forma correta de nos achegarmos ao Senhor e clamarmos a Ele: "Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo vento, e lançada de uma para outra parte" (Tg 1.6).
Mas, sobre o que Tiago está falando? Isto é, sobre o que devemos pedir? Ele nos responde no versículo anterior: "E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada" (Tg 1.5). Isto é, embora tenhamos uma centena de miríades de dificuldades para seguir a Lei, alias, não conseguimos cumpri-la e nem muito menos aplicá-la no modo como Cristo o fez, o Senhor que é mui compassivo e longânimo para conosco, agracia-nos com sua misericórdia e amor paternal. O apóstolo Pedro expressou maravilhosamente esse fato: "O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se" (2Pe 3.9).
Que hoje, mais uma vez, possamos reconhecer a bondade do Senhor, conforme lemos: "Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado" (Rm 11.22). Apesar da malignidade de nosso coração e atitudes pecaminosas, aprouve ao Senhor salvar os Seus em tempo oportuno. Portanto, não negligenciemos tão grande salvação e nos apeguemos ao Filho do Altíssimo, pois também, nós gentios, fomos feitos partícipes da glória do Senhor, de modo que conjuntamente com os judeus salvos podemos adorar ao Senhor, pois assim como a mulher samaritana, os cristãos de Éfeso ouviram e foram agraciados com a divina visita.
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus" (Ef 2.8).
Nota:
[1] Já preguei sobre isso - clique aqui para ler.
[2] Thomas Watson (1620-1686).
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