Se alguém tem muitos tipos diferentes de inclinações espirituais, isso é outro sinal não confiável, que não pode ser usado para determinar se a sua espiritualidade é verdadeira ou falsa. Existem imitações de todas as afeições verdadeiras. A maioria de nós sabe que o amor, por exemplo, pode ser fingido facilmente. Namorados e namoradas que juraram amar-se de verdade mais tarde mostraram que seu 'amor" era paixão desenfreada ou interesse próprio grosseiro. Talvez nós mesmos tenhamos dito a outras pessoas que as amávamos, e só mais tarde percebemos que não sabíamos nem o mais elementar sobre o amor. A Bíblia está cheia dessas declarações de amor superficiais. Por exemplo, veio um mestre da lei que jurou a Jesus que o seguiria por onde quer que fosse. Mas quando Jesus replicou que nem sempre sabia se teria nem mesmo um quarto à noite, o homem foi embora (Mt 8.20). As multidões apregoaram sua devoção a Jesus, mas o abandonaram quando ele se tornou politicamente incorreto.
Arrependimento religioso do pecado também pode ser fingido. Faraó, por exemplo, parece ter-se arrependido sinceramente depois da sétima praga (granizo). Ele se lamentou diante de Moisés:"Esta vez pequei; o Senhor é justo, porém eu e o meu povo somos ímpios. Orai ao Senhor; pois já bastam estes grandes trovões e a chuva de pedras. Eu vos deixarei ir, e não ficareis mais aqui" (Êx 9.27-28). Assim que o granizo parou, porém, "tornou a pecar, e endureceu o seu coração" (Êx 9.34). Novamente recusou-se a deixar os israelitas sair do Egito.
Há relatos de adoração falsa na Bíblia. Lemos dos samaritanos no século VIII a.C, que "temiam o Senhor e, ao mesmo tempo, serviam aos seus próprios deuses" (2Rs 17.33). Gratidão e alegria também podem ser falsos. Pense nos ouvintes comparados ao solo pedregoso na parábola do semeador e da semente que Jesus contou. São pessoas que ouvem o evangelho e o recebem com gratidão e alegria, mas depois se desviam, quando vêm dificuldades e perseguição (Mt 13.20-21).Podemos dizer a mesma coisa de zelo e esperança. Os judeus do tempo de Paulo tinham "zelo por Deus, porém não com entendimento" (Rm 10.2). Os fariseus tinham a esperança convicta (a palavra expectativa está mais perto do significado do termo grego geralmente traduzido por "esperança") de que estavam indo para o céu, mas, de acordo com Jesus, eles estavam tristemente enganados (Mt 23.13-15).
Também é importante reconhecer que as afeições falsas geralmente andam juntas. Cada afeição falsa quase sempre faz parte de um conjunto. Veja as ações da multidão depois que Jesus ressuscitou Lázaro. Eles estavam cheios de várias afeições falsas. Eles se mostravam atraídos por Jesus, pois viajaram distâncias grandes para ouvi-lo, afirmaram amá-lo ao exclamar hosana, evidenciaram reverência ao colocar suas vestes exteriores no caminho para que ele pudesse pisar macio, cantaram cânticos de gratidão e louvor, e demonstraram ter zelo pelo reino de Deus quando exclamaram: "Bendito o que vem em nome do Senhor e que é Rei de Israel!" (Jo 12.13). O ruído dos seus cânticos e exclamações encheu o ar com o que parecia ser um júbilo santo.
Por que as afeições falsas andam juntas? Porque, assim como o amor verdadeiro inspira várias outras afeições verdadeiras, o amor falso desperta muitas outras afeições falsas. Edwards definiu uma conversão falsa como uma constelação de afeições falsas. Em primeiro lugar, ele escreveu, a pessoa está aterrorizada e desesperada porque ouviu uma mensagem prometendo a condenação aos que não são convertidos. Imaginar os tormentos mentais e físicos do sofrimento eterno no inferno enche-a de horror. Em segundo lugar, Edwards acha que o diabo lhe envia uma visão ou voz prometendo-lhe salvação. "Você é um dos preferidos de Deus", sussurra o diabo. A pessoa imediatamente se enche de alegria e gratidão. Ela fica emocionada com a repentina suspensão da sentença e não consegue parar de falar aos outros sobre a misericórdia de Deus para com ela, insistindo com eles para que louvem a Deus. Ela reconhece que é indigna desse presente glorioso e fala abertamente de seu pecado.
Só que sua humildade recém-encontrada não é mais genuína que a do rei Saul. Ao ouvir que tinha sido escolhido como rei, ele protestou: "Porventura, não sou benjamita, da menor das tribos de Israel? E a minha família a menor de todas as famílias da tribo de Benjamim? Por que, pois, me falas com tais palavras?" (lSm 9.21). A falsa humildade tem uma semelhança esquisita com a humildade genuína que Davi mostrou quando foi escolhido para o trono: "Quem sou eu, Senhor Deus, e qual é a minha casa, para que me tenhas trazido até aqui?" (2Sm 7.18).
O novo "convertido" gosta de passar tempo com os que reconhecem sua conversão e sente o que ele imagina ser indignação justa por aqueles que não o fazem. Ele nega-se a si mesmo para promover sua nova causa e aqueles que o apóiam.
Infelizmente, diz Edwards, essa é uma conversão sem o verdadeiro arrependimento. Por isso ela é falsa. Muitas afeições religiosas são manifestas, mas elas são falsas, porque brotam do amor próprio, disfarçado de amor por Deus. Edwards diz que este padrão de experiência espiritual pode provir ou de influência demoníaca ou da natureza humana (dentro da tendência de aliviar o terror religioso e reforçar a auto-estima). João da Cruz, o grande escritor místico do século XVI, disse a mesma coisa. João escreveu que o diabo muitas vezes aumenta o fervor dos orgulhosos e transforma suas virtudes em vícios. Ao mesmo tempo João alertou que muitos desejos fortes em relação a Deus ou às coisas espirituais são simplesmente o resultado dos desejos humanos e naturais.
Fonte: Josemar Bessa
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