segunda-feira, 2 de julho de 2012

Série: Homem e Mulher os criou - parte 14 - Homem e Mulher após a Queda - Divórcio e Novo Casamento - Sermão pregado dia 01.07.2012




Série: Homem e Mulher os criou - parte 14 -
Homem e Mulher após a Queda - Divórcio e Novo Casamento
Sermão pregado dia 01.07.2012


Este estudo bíblico que tivemos foi gravado em vídeo - clique no link para assistir: http://twitcam.livestream.com/arcex

Uma vez demonstrado alguns direitos e deveres com relação aos solteiros e casados no Senhor, é necessário que agora nos foquemos no segundo grupo - os casados - e entendamos como se processa biblicamente esta questão. Todavia, uma vez que para se alcançar o correto entendimento é preciso ter os pressupostos adequados, isto é, saber da onde partir e para onde ir, nos lembremos de algumas questões:

Em primeiro lugar, recordemos do que já lemos: "Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne" (Gn 2.24). Observemos que tal declaração se encontra antes da queda ao pecado, ou seja, é um imperativo (ordem) não com base na fragilidade humana, mas sim no firme decreto de Deus. Precisamos levar isto em conta, pois muitos se esquecem desse ponto e acabam por atropelar os demais ensinos matrimonias. O princípio estabelecido por Deus é para que homem e mulher não se separem. Em segundo lugar, como já nos é conhecido, o Antigo Testamento também é parte das Escrituras e plenamente apto para nos ensinar - é o que o apóstolo Paulo escreve para Timóteo em sua segunda carta a ele (2Tm 3.16-17). Naquela época o Antigo Testamento já era completo, ao passo que o Novo Testamento, por óbvio, ainda estava sendo escrito; assim, se verifica como o Antigo Testamento é também [sempre em conjunto com o Novo] eficaz para nos instruir no conhecimento do Senhor. Em terceiro lugar, não nos esqueçamos de que o Senhor é completamente soberano para fazer tudo o que deseja. Quer dizer, sendo Ele onipotente, então não compete ao homem natural buscar interpretar as Escrituras meramente por sua razão, o que nos leva, portanto, sempre a recorrer ao Espírito Santo que nos guia em toda a Verdade divina (Jo 16.13). Em quarto lugar, reconhecemos que homens e mulheres tomam atitudes erradas em suas vidas e devem pagar por elas - e isso inclui o divórcio (e suas consequências). O perdão do Senhor não exclui o pagamento pelo erro. Um fato claro e que explicita esse entendimento é o ladrão da cruz que foi salvo. Se todas as vezes que fôssemos perdoados pelo Senhor tivéssemos que ser perdoados também das mazelas da vida, então aquele ladrão deveria ter sido liberto por Cristo do madeiro e prontamente ter seus direitos ressarcidos, pois uma vez que em Deus não há sombra de variação (Tg 1.17), não é crível que entendamos que Deus abrira uma "exceção" para o ladrão. Por isso precisamos entender que meramente pedir perdão ao Senhor não nos isenta do castigo civil, penal, ou, quem sabe, até mesmo emocional.

Com esses pressupostos em mente, vejamos algumas notas importantes de ambos os testamentos e de que forma eles tratam a indissolubilidade do casamento e as consequência de o violar.

É preciso pontuar que o divórcio, seja de que forma for e sob as circunstâncias em que ocorrerem, não agrada ao Senhor. Assim lemos: "Então chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo? Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez, E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem. Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la? Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim" (Mt 19.3-8). Jesus Cristo afirmou àqueles homens que no "princípio não foi assim" (v. 8), pois "deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne" (v. 5). Tal qual não é possível rasgar um bife ao meio sem se arrebentar os nervos e fibras musculares do mesmo, de igual modo se dá com o divórcio, afinal, tendo por certo que após o casamento, " não são mais dois, mas uma só carne", toda divisão será uma violação do princípio unitário do matrimônio. Assim, nesta passagem, Jesus estava afirmando que a ordem estabelecida não contemplava o divórcio como uma possibilidade. Isto é, uma vez que no capítulo segundo de Gênesis lemos sobre a unidade do homem e da mulher e isto está registrado antes da queda, então fixemos em nossos corações que o divórcio é fruto do pecado humano.

Jesus também lhes frisa sobre a importância deste entendimento, a ponto de afirmar que todo casamento, isto é, união de homem e mulher perante Deus (o casamento é um voto) e de acordo com a lei dos homens (desde que não firam as regas bíblicas), é feito e cimentado pelo próprio Senhor: "Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem" (v.6). Aqui, se demonstra grande refutação ao que comumente se entende desta sentença, pois não são poucas as pessoas que repetem o presente versículo como se ele dissesse: "Portanto, o que Deus ajuntou o homem não separa", como que reivindicando que os casamentos e uniões que se dissolvem, na verdade, nunca foram unidos pelo Senhor. Por o texto ser por demais clarividente e afirmar que é os cônjuges não devem se apartar da união e, portanto, acabar derribando por completo esta falácia, nem nos deteremos nela. Todavia, que fique estabelecido que o Senhor ordena que o homem (sentido genérico) não se aparte de seu cônjuge, pois uma vez unido, se deduz (ou é assim que deveria ter sido) que ambos uniram-se em matrimônio sendo cônscios de seus direitos e deveres do Senhor. [1]

Porém, embora este texto de Jesus seja muito claro, ele não esgota o tema. Deste modo, penso que toda sorte de dúvidas e intrigas teológicas quanto ao divórcio surjam porque muitas vezes se despreza a Lei de Deus do Antigo Testamento. Quer dizer, certamente que o Novo Testamento é o cumprimento de muitíssimas promessas do Antigo, mas isso não significa que o Senhor revogou a Sua Lei. [2] Então, tendo em mente que o Antigo Testamento e Sua Lei (também as civis) são boas e adequadas para nós (apesar de muitas vezes nos espantarem), visualizemos primeiramente como ela trata do divórcio (para posteriormente voltarmos ao Novo Testamento):

A pena de morte pelo adultério:

"Também o homem que adulterar com a mulher de outro, havendo adulterado com a mulher do seu próximo, certamente morrerá o adúltero e a adúltera" (Lv 20.10). Não somente o adultério era condenado à pena capital, mas também o assassinato (Êx 21.12), sequestro (Êx 21.16), ter relação sexual com animais (Êx 22.19), homossexualismo (Lv 20.13), ser um falso profeta (Dt 13.5), prostituição e estupro (Dt 22.4). Aqui,  já de imediato pontuamos sobre a importância de se reconhecer que a pena de morte na Bíblia nunca visou incitar o ódio e "alegria" por ver a morte alheia, mas sim a preservação da vida. Ao se punir o malfeitor da sociedade, algo fica clarividente aos demais: não se deve cometer aquele mesmo ato, caso contrário poderei também ser punido. A pena capital, portanto, tem duplo sentido: punir o ofensor e alertar os demais para que não procedam de tal modo.

Paulo, em Romanos 13.1-5, afirma que de fato as autoridades civis podem e devem executar tais pessoas - não pelo desejo de sangue, mas de justiça e autorização divina para tal. O apóstolo também deixou este ponto claro ao declarar que ele mesmo estava disposto a sofrer tal sanção penal, caso fosse verdadeiramente culpado: "Se fiz algum agravo, ou cometi alguma coisa digna de morte, não recuso morrer; mas, se nada há das coisas de que estes me acusam, ninguém me pode entregar a eles; apelo para César" (At 25.11 - grifo meu). Em nenhum momento vemos o apóstolo apelando, escrevendo ou dizendo algo desta natureza: "Basta disto, homens! estamos no Novo Testamento! Eu sei que vocês antigamente foram ensinados a matar, mas agora o momento é outro, a Lei é outra... ." Este pensamento simplesmente seria estranho e maligno para Paulo, pois ele amava o Senhor e reconhecia que Sua Lei era boa, justa e eficaz (Rm 7.7).

Muitos estranham o fato de se punir um adúltero com a morte, mas são poucas as pessoas que sabem que até 2005 nosso ordenamento jurídico contemplava o adultério como crime! Isto mesmo, cometer adultério era crime e resultava detenção de 15 dias até 6 meses. Todavia, artigo foi revogado Lei nº 11.106, de 2005 - fazendo com que tal prática entrasse na "adequação social", isto é, deixou de  ser crime por passar a ser normal. Ainda há aqueles que desconhecem que o Código Penal Militar (apenas para exemplificar como ainda estes desvios morais são punidos), no seu artigo 235, prevê a sanção de detenção de 6 meses a um ano por quem pratique pederastia: "Pederastia ou outro ato de libidinagem - Praticar, ou permitir o militar que com êle se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar". Deste modo, se depreende que a pena de morte pela adultério não é "tão estranha assim", afinal, em nosso próprio pais ainda temos certas sanções por coisas desta natureza - sem falar que o Brasil também autoriza a pena de morte em caso de guerra.

Por prezarmos pelo princípio da unidade das Escrituras, então não podemos colocar a palavra do Senhor contra Ele mesmo, ou seja, se no Antigo Testamento havia a penalidade e o pagamento respectivo com a própria vida (o que não excluía a salvação - lembre-se do ladrão da cruz que, apesar de morto, foi salvo) e o próprio apóstolo concordou com tal lei aplicada pelos romanos, então, antes de recusarmos essa Lei, devemos - no mínimo - procurar algum ensinamento bíblico que nos diga o contrário.

Muitos de fato procuram por tal ensinamento contra a pena de morte e frequentemente citam o caso da mulher adúltera trazida até Jesus: "E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida" (Jo 8.3-12).

Embora o presente relato possa nos ensinar muitas coisas, uma certamente não nos ensina: a abolição da pena de morte. Notemos como o ocorrido difere da Lei de Deus do Antigo Testamento, pois onde estava o homem pego juntamente com a mulher? Levítico 20.10 prescrevia que "morrerá o adúltero e a adúltera". Os escribas fizeram correto, pois o adúltero e a adúltera tinham de ser pegos em flagrante - "esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando". Porém, em um julgamento parcial e de acordo com seus próprios interesses, os escribas e fariseus (recorde quantas vezes o Senhor os censurou durante Seu ministério) tentaram persuadir ao Senhor e colocá-lo em uma situação aparentemente sem saída; ao passo que Cristo agiu de acordo com a reta justiça e não violou de modo algum a Lei, pois seria uma desobediência à Lei o condenar a mulher e não assim o fazer com o homem - além de que Ele não poderia tropeçar em qualquer ponto da mesma, "Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos" (Tg 2.10).

Assim, neste breve apanhado sobre a indissolubilidade do casamento e a pena de morte ao adúltero, comentemos sobre como se processa o fim do casamento.

A primeira anotação que precisamos fazer é com relação ao fim natural do casamento, isto é, a morte de um dos cônjuges. "A mulher casada está ligada pela lei todo o tempo que o seu marido vive; mas, se falecer o seu marido fica livre para casar com quem quiser, contanto que seja no Senhor" (1Co 7.39 - grifo meu). O apóstolo é bastante explícito em dizer que não há qualquer problema em alguém contrair novo casamento após a morte de seu companheiro(a), "contanto que seja no Senhor" e que se avalie se realmente tal casamento lhe será benéfico, afinal, assim como no primeiro casamento, "os tais terão tribulações na carne, e eu quereria poupar-vos" (1Co 7.28).

A segunda anotação diz respeito à declaração de Jesus: "Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério" (Mt 19.9). Certos autores compreendem que esta passagem esteja se referindo ao repúdio antes do casamento, explicando que as palavras de Jesus dizem respeito a somente se ter autorização para repudiar a mulher (ou vice-versa) antes do matrimônio ser oficializado, afinal, a palavra em voga é "fornicação" - um ato cometido antes do casamento. Os autores que andam neste limiar afirmam que a dissolução permitida do casamento se dá no tempo que denominamos "noivado", pois lhes parece que a passagem esteja tratando desta forma. [3] Para tais, há somente chance de se repudiar o cônjuge antes de se contrair verdadeiro casamento, haja vista que depois, conforme lemos em 1Co 7.31, o casamento deve permanecer para toda a vida.

Contudo, embora tal entendimento possa ter parcela de verdade e ser recomendado, pois é melhor não casar-se do que unir-se e logo se separar, é importante notar que esta declaração fica difícil de ser coadunada com a pena de morte pelo adultério. Ou seja, se no Antigo Testamento é prescrito tal pena para o adúltero, como ficaria a situação de não dever haver separação após o casamento? Se o repúdio por fornicação [4] deveria ser realizado antes do voto diante do Senhor e perante os homens, por que dever-se-ia tirar a vida do adúltero? Sua vida não deveria ser preservada tendo em vista 1Co 7.31?

Portanto, sem se alongar demasiadamente, a fim de não cansar o leitor e entrar em discussões não tão relevantes, parece-nos bastante claro a condição que Jesus impõe para o divórcio: a transgressão sexual de um dos cônjuges.

No capítulo XXIV da Confissão de Fé de Westminster, os ilustres teólogos puritanos trataram deste assunto e, na seção V, resolveram: "O adultério ou fornicação cometida depois de um contrato, sendo descoberto antes do casamento, dá à parte inocente justo motivo de dissolver o contrato; no caso de adultério depois do casamento, à parte inocente é lícito propor divórcio, e depois de obter o divórcio casar com outrem, como se a parte infiel fosse morta - Mt 1.18-20, 5.31-32; 19.9."

Na seção seguinte, lemos também suas resoluções: "VI. Posto que a corrupção do homem seja tal que o incline a procurar argumentos a fim de indevidamente separar aqueles que Deus uniu em matrimônio, contudo só é causa suficiente para dissolver os laços do matrimônio o adultério ou uma deserção tão obstinada que não possa ser remediada nem pela Igreja nem pelo magistrado civil; para a dissolução do matrimônio é necessário haver um processo público e regular, não se devendo deixar ao arbítrio e discrição das partes o decidirem seu próprio caso -Mt 19.6-8; 1Co 7.15; Dt 24.1-4; Ed 10.3."

Observemos que as delimitações dos teólogos se harmonizam com grande clareza com nossos pressupostos. Portanto, façamos um  breve resumo do que vimos:

1. O casamento deve persistir por toda a vida. Esta ordem de Deus é intransigível e sob nenhuma circunstância deve ser violada. O fato de nosso governo civil permitir o divórcio por literalmente qualquer motivo, não constitui necessariamente autorização bíblica para tal feito. Ademais, por nosso sistema de leis ser perverso e contrário à instituição do Senhor, em vez de misericórdia e compaixão, o Senhor declara Sua ira e justiça vingativa sobre a nação - mas, principalmente sobre o magistrado civil que age em desacordo com a prescrição divina -, pois esta não se assemelha às palavras do profeta que dizem: "Bem-aventurada é a nação cujo Deus é o SENHOR, e o povo ao qual escolheu para sua herança" (Sl 33.12). [5]

2. A forma natural de rompimento matrimonial. Somente e unicamente a morte é causa natural e de acordo com a ordem de Deus antes da Queda. A morte, por levar um dos cônjuges e ao outro deixar, permite que o "vivo" contraria novo matrimônio, todavia, lembrando do que já vimos, a saber, que seria melhor permanecer solteiro, mas, caso não seja possível (por uma série de motivos), que se contraria novo matrimônio com um crente.

3. A forma não natural de rompimento matrimonial. Uma vez que somente a morte deveria separar os cônjuges, então é necessário que levemos cativo a excludente de ilicitude proferida por Jesus. Isto é, embora devessem esperar pela morte do cônjuge para contraírem novo casamento, caso os laços sejam desfeitos por causa de fornicação (pré-casamento) ou adultério (pós-casamento), então é lícito à parte prejudicada contrair novo casamento - ainda que, novamente, melhor é que permanecesse solteira após isto.

Neste quesito, é mais do mister que se entenda que somente o cônjuge traído pode cogitar a possibilidade de novo casamento. Este entendimento é fruto da junção da declaração de Cristo e da lei do que punia o adúltero. Assim, temos a compreensão de que porque a Lei de Deus não pode ser desassociada do Evangelho, o adúltero deveria ser morto. [6] E, apesar disto não ocorrer nos dias atuais, não significa que a Lei de Deus esteja abolida. A partir disto é que se entende com clareza (apesar do temor que acompanha tal entendimento) que, caso a Lei de Deus um dia seja posta em vigor em alguma sociedade, o magistrado civil será obrigado a eliminar o adúltero e a pessoa com que foi pega adulterando e/ou fornicando. Todavia, tendo em vista que não pode haver contradição na Palavra de Deus, uma vez que o magistrado civil não executa tais pessoas, é dever da Igreja declarar os adúlteros como "mortos" para um novo casamento, pois é assim que a Lei de Deus prescreve. [7]

Outra forma não natural do rompimento é aquela referida pela Confissão de Fé de Westminster ("contudo só é causa suficiente para dissolver os laços do matrimônio o adultério ou uma deserção tão obstinada que não possa ser remediada nem pela Igreja nem pelo magistrado civil" - grifo meu) e que se acha descrito no livro de Esdras: "Então Secanias, filho de Jeiel, um dos filhos de Elão, tomou a palavra e disse a Esdras: Nós temos transgredido contra o nosso Deus, e casamos com mulheres estrangeiras dentre os povos da terra, mas, no tocante a isto, ainda há esperança para Israel. Agora, pois, façamos aliança com o nosso Deus de que despediremos todas as mulheres, e os que delas são nascidos, conforme ao conselho do meu senhor, e dos que tremem ao mandado do nosso Deus; e faça-se conforme a lei... Então se levantou Esdras, o sacerdote, e disse-lhes: Vós tendes transgredido, e casastes com mulheres estrangeiras, aumentando a culpa de Israel. Agora, pois, fazei confissão ao SENHOR Deus de vossos pais, e fazei a sua vontade; e apartai-vos dos povos das terras, e das mulheres estrangeiras. E respondeu toda a congregação, e disse em altas vozes: Assim seja, conforme às tuas palavras nos convém fazer" (Ed 10:2-3, 10-12).

Notemos, então, que não somente a morte natural, fornicação e adultério são causa justa para o divórcio, mas também uma situação que seja tremendamente afrontante à Lei de Deus e que não possa ser sustentada biblicamente. Para exemplificar, basta que pensemos em uma mulher que apanha terrivelmente e diariamente de seu marido. Mesmo que com ele já se tenha conversado e o admoestado em amor, insiste em agredir sua esposa. Neste caso, com muita graça e sabedoria, cabe aos pastores decidirem se de fato o caso em voga é tão complicado que "que não possa ser remediada nem pela Igreja nem pelo magistrado civil" (leia todo o capítulo décima de Esdras para uma melhor compreensão).

4. Com relação ao cogitar que o cônjuge incorreu em traição. Sabemos que na prática matrimonial pode vir a acontecer a suposição de que o cônjuge tenha incorrido ou esteja adulterando. Aqui, então, se faz a pergunta: o que fazer? Quer dizer, vimos que o Antigo Testamento prescreve que se pegos em adultério, isto é, no flagrante, ambos deveriam morrer - mas como isto se processa nos dias de hoje caso haja apenas uma desconfiança ou uma "certeza", mas sem provas concretas? Pela graça do Senhor, temos a resposta em Sua própria Escritura. Vejamos Números 5.11-31.

Esta passagem nos diz que quando houvesse certa suposição de alguma traição, o cônjuge que estivesse "desconfiando" deveria se apresentar diante do sacerdote com seu parceiro(a) e, então, o sacerdote faria duas misturas de água com o pó da terra e daria de beber ao cônjuge que supostamente estaria traindo. Se de fato fosse condenado (no caso da mulher), sua coxa incharia e o castigo de Deus seria o não poder ter mais filhos. Mas, caso não fosse culpado, seria apenas um gole d'água - "E, se a mulher se não tiver contaminado, mas estiver limpa, então será livre, e conceberá filhos" (v. 28).

Por isto estar prescrito nas Escrituras, então nos parece ser plausível afirmar que em nossos dias, caso haja desconfiança, os cônjuges devem se apresentar diante de seu pastor e ele falará ao suposto traidor das consequências terríveis que lhe podem sobrevir. Entretanto, não cabe ao pastor determinar quais são estas consequências - lhe é por dever apenas o afirmar que caso seu cônjuge esteja certo em sua desconfiança, embora ninguém o tenha visto no ato do adultério, o Senhor o viu e Ele certamente lhe castigará como bem aprouver. Mas, como é uma mera suposição, não deve haver divórcio - basta que o Senhor aflija o transgressor de acordo com Sua vontade.

5. O divórcio não deve ficar sob o arbítrio dos cônjuges. Notemos que os pastores estão destinados à Igreja para prover o devido sustentando e ensino necessário mediante as Sagradas Escrituras. Assim, é preciso que sempre que se visualizem algumas das situações acima aventadas, não cabe meramente ao casal decidir o que fazer, e sim é prudente que levem o caso ao pastor e ele, por já lhes acompanhar durante a caminhada cristã, com a ajuda do Senhor poderá dar um bom parecer sobre a situação. Esta compreensão não é desprovida de base bíblica, pois de acordo com 1Pe 5.1-3, este é um dos deveres dos pastores: "Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto" (v. 2). Mas, é também dever da congregação obedecer ao seu pastor (desde que ele esteja de acordo com a sã doutrina): "Obedecei a vossos pastores, e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas" (Hb 13.17). Portanto, visto que muitíssimas vezes é grandemente enganosa a visão que os cônjuges têm de sua própria relação, é sábio se aconselhar com àquele que o Senhor proveu para o cuidado de suas vidas (vide também Esdras 10), a fim de não dissolverem o casamento erroneamente e/ou não tomarem qualquer decisão que não seja determinada pelas Escrituras.

Por fim, fazemos a ressalva sobre a importância de se primar pela reconciliação em vez do divórcio (sempre que possível, é claro), pois uma vez que somos chamados a perdoar "até setenta vezes sete" (Mt 18.22), na sublime maioria das vezes, se deve recorrer ao perdão e reatar os votos de fidelidade.

Deste modo, penso que de maneira sucinta obtivemos êxito em examinar o divórcio e novo casamento sob a luz das Escrituras.

Notas:
[1] Para melhor compreensão de quais são os direitos e deveres, leia toda a presente série.
[2] De modo algum podemos afirmar que hoje vigora a graça/fé e que no Antigo Testamento vigorou apenas a Lei. O próprio profeta Habacuque nos deixa clarividente isso: "mas o justo pela sua fé viverá" (Hc 2.4). No livro de Hebreus, capítulo 11 também lemos sobre a famosa "galeria da fé", onde reiteradas vezes somos informados de que os santos do AT viveram somente pela fé - buscavam cumprir a Lei, mas sabiam que o fim da dela, isto é, para onde apontava, era Cristo. Devemos ter cuidado com o jogo de palavras que fazem muitos tropeçar. Um exemplo claro desse jogo é de que o fim de um túnel não implica no fim de uma estrada; ou que o fim de um jogo de futebol não significa o fim de um campeonato. Isto é, quando lemos "o fim da Lei é Cristo" (Rm 10.4), significa que a finalidade da Lei é apontar para Cristo, conforme o próprio Cristo afirmou: "E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos" (Lc 24.44). Se Cristo tivesse abolido a Lei, então em vez de lermos, "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir" (Mt 5.17), teríamos o Senhor Jesus afirmando que "não vim cumprir, mas ab-rogar". Ademais, se Cristo tivesse abolido a Lei, Ele estaria negando a si próprio, pois estaria dizendo que Sua sombra no AT não era mais válida - destruindo assim a própria unidade das Escrituras. Esse princípio é clarividente em 2Tm 3.16-17: "Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra." Ora, qual era a Escritura de que Paulo estava falando? Certamente que era do Antigo Testamento (e também de algumas cartas já correntes do Novo), pois o próprio Timóteo havia sido instruído por sua avó e mãe, "...a qual habitou primeiro em tua avó Lóide, e em tua mãe Eunice" (2Tim 1.15). Assim, portanto, não há que se falar em antinomismo (contra a Lei) ou neonomismo (nova Lei), mas sim em teonomismo (Lei de Deus), pois uma vez que a Bíblia é a Palavra do Eterno e Deus é soberano, então a Bíblia é soberana; sendo Deus onipotente e sem sombra de variação (Tg 1.17), então a Bíblia também não pode conter variação.
[3] Um expoente desta defesa é o pastor e autor John Piper.
[4] Fornicação é a relação sexual (ou carícias desta natureza) entre solteiros ou entre solteiro e casado. Caso assim seja, o primeiro (solteiro) comete fornicação, ao passo que o segundo (casado) incorre em adultério.
[5] Ainda que o versículo esteja a falar da nação do povo de Deus e entendamos isto à luz do Novo Testamento, isto é, de que feliz é o povo de Deus por O ter como Senhor, certamente que passagem bíblica também se harmoniza num âmbito civil, pois assim se dava no Antigo Testamento.
[6] É fato que muitos homens e mulheres bíblicos não foram mortos por causa de pecados condenáveis a morte - Davi é um exemplo claro. Todavia, Davi não foi morto por dois motivos: Primeiro porque não havia ninguém hierarquicamente superior a ele, pois era o rei de Israel. E em segundo lugar, embora não tenha perecido, alguém teve de tomar o seu lugar - seu filho fruto do adultério -, tipificando assim a morte de Cristo em nosso favor, pois ainda que Ele tenha morrido, assim o fez em favor de todos os Seus filhos. Aqui, portanto, nosso papel não é de se basear nas exceções que aprouve Deus realizar, mas sim em Sua Lei.
[7] Embora tenha de declarar a "morte" para o novo casamento, a Igreja não deve excluir tal pessoa do povo de Deus. Assim como apontado na nota anterior, por um lado o transigente deveria ser punido com a morte, mas visto que o Senhor também teve por bem até o presente momento não instituir um governo civil que aplique tais penalidades, devemos ser graciosos com estes irmãos e irmãs que incorrem em pecado e os tratá-los com disciplina e, caso se arrependam, os admitir à comunhão.

5 comentários:

  1. Thiago Dylan Ferreira Pinto20 de julho de 2012 às 01:05

    Muito edificante, Filipe. Que Deus o abençoe!

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  2. Thiago Dylan Ferreira Pinto20 de julho de 2012 às 01:07

    Será, Filipe, que você poderia me indicar textos sobre teonomia, para que eu a compreenda melhor? De qualquer forma, muito obrigado por disponibilizar este texto para a edificação de seus leitores. Abraços!

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    Respostas
    1. Thiago, há vários artigos na internet sobre teonomia, todavia muitos deles são antibíblicos, pois consideram apenas a segunda tábua da Lei; em outras palavras, querem a Lei civil de Deus em ação, mas não querem os homens buscando ao Senhor. Quer dizer, pretendem apenar punir, punir e mais punir, mas se esquecem de que estes homens precisam se achegar a Deus, também.

      Uma breve apostila que pode lhe ajudar é esta: http://monergismo.com/wp-content/uploads/introducao-teonomia-debate_greg-bahnsen.pdf

      O autor não entra em muitos detalhes, mas faz a ponte entre o AT e NT e discorre um pouco sobre a aplicação da lei civil hoje..

      Cristo seja contigo.

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  3. Graça e paz Filipe! No seu artigo você explica que o adúltero deveria ser morto, entretanto como não há pena morte hoje no Brasil para isso, no caso a igreja deverá considerá-lo "como morto". No entanto, você também citou a parte que Jesus não condena a mulher adúltera (citou mostrando que isso não era base para negar a teonomia, coisa que eu também acredito!), já que nenhum homem pôde condená-la (ninguém atirou a pedra). Nisso queria saber de você se é possível a igreja condenar a parte que cometeu o adultério "como morto" para o casamento, já que na verdade ele não foi condenado, pois a lei não existe na nossa nação. E mesmo Jesus não condenou aquela mulher, nós como igreja vamos condenar? "Se ninguém a condenou, eu também não a condeno. Vá e não peques mais."

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