Sermão pregado dia 12.08.2012
"E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados" (Ef 2.1).
É sempre importante relembrar que as divisões de capítulos e versículos não são vindas desde o escrito original, pois uma vez que são divisões humanas para melhor localização e mais fácil manuseio da Palavra, devemos entender tais coisas como simples ajudas a nós leitores. Dizemos isto porque mesmo que estejamos iniciando o capítulo segundo desta epístola de Paulo, já a primeira sentença está plenamente ligada ao versículo anterior de nossa exposição. Recordemos também de que a Escritura é proveitosa e útil para instruir o homem nos caminhos do Senhor (2Tm 3.16-17), da onde se depreende que precisamos analisar todos os versículos não isoladamente, mas sempre em sua sequência natural e conforme deixada pelo santo e perfeito Artífice da criação.
O apóstolo continua, portanto, sua explanação do versículo anterior e de imediato acrescenta: "E". Esta pequena letra (conjunção coordenativa aditiva) ainda que pareça insignificante para nós, comunica grandiosa verdade - isto é, uma vez que a Igreja "é o seu corpo [de Cristo], a plenitude daquele que cumpre tudo em todos" (Ef 1.23), agora o apóstolo acrescenta que o Jesus Cristo não apenas é o cabeça da Igreja, mas sim que também executa ainda outro sem número de feitos na vida de Seu povo. É como se o apóstolo estivesse a comunicar a seus leitores que Cristo não apenas é Senhor sobre o mundo e a Igreja, mas que também faz muitíssimas outras coisas por todos os Seus filhos - daí ele acrescentar: "vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados".
É devido ao pecado que algumas partes da Escritura muitas vezes não são claras a nós, de modo que precisamos recorrer a comentários, interpretações e possíveis aplicações de certas passagens. Todavia, o leitor atencioso perceberá que não há nada de misterioso nestas palavras divinas em pauta. Paulo não é ambíguo ou titubeia ante certa característica do homem natural, mas sim enfatiza grandemente e explicitamente que o Senhor deu nova vida a todos os Seus filhos e herdeiros juntamente com Cristo. A Bíblia é cristalina em dizer que o homem nada fez, nada realizou, nada executou, nada planejou e nem nada quis a fim de ter nova vida - foi tão somente Cristo que "vivificou" os vis e pútridos pecadores que estavam nas mãos de um Deus irado.
Conseguimos imaginar tal descrição do homem diante de Deus? Um homem morto, deitado em sua tumba, cheirando a podridão e sendo lentamente consumido pelos vermes; o corpo em estado de decomposição, os líquidos internos da carne vazando e inundando o leito de morte; suas pernas já não andam, seus braços estão imóveis e seu coração já cessou de pulsar; este homem abandonado a própria sorte de todos os viventes (Jó 30.23); impotente diante da chuva que cai sobre a lápide e sobre os demais que vão sendo sepultados ao seu redor; lentamente o cemitério se enche deste tipo de cena e os homens esquecem-se de que são pó e nada possuem para que tornem a viver. Um pai de família que antes brincara com seu filho pequeno, agora pode apenas ser relembrado na memória e em fotos guardadas; a esposa amável e linda aos olhos do marido agora está num estado tão ruim quanto carniça fétida e em decomposição; o filho que brincava com seus colegas se tornou um amontoado de ossos e já não se diverte mais. Todavia, este é um cenário muito bom perto do que Paulo descreve, pois estes homens e mulheres descritos tiveram tempos e momentos para se alegrarem nesta vida. Se o homem nascesse puro e depois se corrompesse, seu estado de bondade poderia ser bem aproveitado e alguma alegria daquele tempo ele poderia verdadeiramente aproveitar - mas não é assim que as Escrituras relatam a vida do ser humano:
"Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepulcro aberto; Com as suas línguas tratam enganosamente; Peçonha de áspides está debaixo de seus lábios; Cuja boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Em seus caminhos há destruição e miséria; E não conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos" (Rm 3.10-18). Ainda testifica o salmista: "Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe" (Sl 51.5).
Homens e mulheres neste mundo nascem mortos em seus delitos e pecados. Esta é uma cena horrível de se imaginar: bebês, crianças, jovens, adultos e idosos andando pelas cidades tal quais mortos vivos. Pessoas que não são guiadas por um propósito mais elevado e que não sustentam um espírito esperançoso em relação a si mesmo e ao porvir. Pessoas mutiladas, defuntos que andam e pensam em empresas, carne morta executando os labores do cotidiano... Assim é o homem pecador por natureza - "Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis". O retrato construído por Paulo não é bom - nada há de agradável no homem para que o Senhor o ame ("Em seus caminhos há destruição e miséria"). O desenrolar de toda a Escritura demonstra que o homem tem apenas um pensamento: "E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente" (Gn 6.5). Notemos o tempo em que o homem se perverte em seus caminhos: "continuamente". Não é apenas em uma ou outra ocasião do dia, mas sim "continuamente". Não é somente em casos onde ele se vê sem saída e deseja achar uma solução, é "continuamente". Não é durante a guerra ilícita e onde ele pretende matar seus inimigos, e sim "continuamente". Sempre, o dia inteiro, desde o despontar do sol no horizonte até o ciclo solar tornar a demonstrar seus grandes e poderosos raios - o desejo humano é somente mau "continuamente".
Não há qualquer pessoa que possa discordar desta posição bíblica, pois em primeiro lugar ela é extraída da própria Palavra de Deus; e, em segundo lugar, caso alguém objete contra ela, terá de reconhecer que Cristo foi alguém completamente inútil: "Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem" (1Co 15.21). O apóstolo é cirúrgico em dizer que assim como a morte veio por meio de um homem (a transgressão de Adão em Gn 3), a vida veio por meio de Cristo. Se alguém rejeita a sua podridão e deseja maquiar sua carne e pensamentos fétidos com o pó da vaidade e passar o perfume da ignorância, a estes nada podemos fazer, exceto rogar as sempiternas e ricas misericórdias do Senhor. Rejeitar o estado de podridão do homem natural é sinônimo imediato de exclusão do sacrifício de Cristo, pois se o homem não é tão ruim como querem os pelagianos e arminianos, então o sacrifício do Filho de Deus não tem motivo de ser, afinal, não haveria razão para Ele morrer por semi-pecadores ou pessoas de certa índole idônea.
Contudo, pela multiforme graça do Senhor, Ele não deixa todas as Suas criaturas viverem esta vida desprezível e cuja vontade é continuamente perversa. O Senhor, em Seu alto e sublime céu olha para os homens e a muitíssimos pronuncia como lemos: "Lázaro, sai para fora. E o defunto saiu, tendo as mãos e os pés ligados com faixas, e o seu rosto envolto num lenço. Disse-lhes Jesus: Desligai-o, e deixai-o ir" (Jo 11.43-44). Dizemos que o Eterno faz isto a muitíssimos - em vez de a todos - porque em toda a Escritura nos é dito que nem todas as pessoas são salvas. Dos milhares de mortos que existiam no tempo de Jesus, Lázaro é quem foi retirado da morte, alguns cegos foram curados e outros tantos coxos passaram a andar. A maligna doutrina que afirma que o Senhor retira todos os homens da morte e os leva para a Vida é algo que não possui base bíblica alguma e cuja afirmação fraudulenta desta pseudo-verdade recairá com um peso de condenação extremamente forte sobre todos os que colocam palavras na boca do Senhor: "Eis que eu sou contra os que profetizam sonhos mentirosos, diz o SENHOR, e os contam, e fazem errar o meu povo com as suas mentiras e com as suas leviandades; pois eu não os enviei, nem lhes dei ordem; e não trouxeram proveito algum a este povo, diz o SENHOR" (Jr 23.32).
Importa, então, compreenderemos três aplicações que o Senhor nos ensina por meio desta sublime verdade:
1. O homem natural é incapaz de se chegar a Deus - "E vos vivificou".
Nosso Senhor foi bastante específico ao levar Paulo à escrita deste ponto. Observemos com grande espanto que não nos é dito que Cristo nos deu um banho ou simplesmente trocou nossa roupa; não somos informados de que Ele melhorou nossos caminhos ou endireitou nossas veredas; nem sequer fomos medicados levemente por Ele ou recebemos algum curativo para estancar o sangue que jorrava. O que Cristo fez por Seus filhos foi algo maravilhoso: Ele os trouxe da morte para a vida.
Amados irmãos, penso que nunca é demais nos relembrarmos que mortos não possuem vida, não comem, não bebem, não respiram, não pensam, não agem, não respondem, não projetam, não desejam... - por isto é que os chamamos de mortos, pessoas sem vida. É neste mesmo prisma, neste cenário de morte e cheiro de pessoas mortas que paira pelo ar que o apóstolo diz: Cristo trouxe-os para a vida. Vivificar não é dar uma arrumada na vida, mas unicamente inserir a verdadeira Vida no homem pecador.
O que Paulo nos diz que é que Cristo tirou-nos do túmulo da morte, do ar sufocado da cova do pecado, daquele local de completa escuridão e nos trouxe vida; levantou-nos da terra e colocou-nos na Luz. "Levanta-te, resplandece, porque vem a tua luz, e a glória do SENHOR vai nascendo sobre ti" (Is 60.1). Homens e mulheres encerrados com as algemas e presos nas cadeias infernais, são soltos pela força do Senhor como Paulo e Silas na prisão (At 16). Os cristãos foram libertos da morte que corroía seus interiores, que consumia seus órgãos internos e os levava em uma velocidade estupenda para a condenação eterna. Tal qual a grande luz que aparecera a Paulo e o mudou completamente, também o Senhor vai até Seus filhos e resplandece com Sua excelsa luz, desnudando o homem diante de si e sentenciando sobre ele a bênção da adoção por Cristo Jesus (Ef 1.5).
O motivo pelo qual o homem natural não pode se chegar a Deus é porque o pecado faz separação para com o Senhor - "Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor" (Hb 12.14). O homem natural é pervertido, imundo, asqueroso e digno de toda maldição que possa vir do Senhor - não porque o Criador tenha feito o homem pecador, mas sim pelo dito do pregador: "Eis aqui, o que tão-somente achei: que Deus fez ao homem reto, porém eles buscaram muitas astúcias" (Ec 7.29). Embora "pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste" (Sl 8.5), os primeiros pais perverteram o caminho do Senhor e desejaram seguir a cobiça de suas paixões.
2. Sendo incapazes, estávamos fadados à condenação - "estando vós mortos".
Uma vez que o homem natural é semelhante àquela criatura caída e sem vida nas profundezas da terra, só resta-lhe um destino: a morte eterna e condenação da ira de Deus. Sua natureza pervertida clama pela condenação, deseja incessantemente as chamas do calor infernal e espera ansiosamente pelo banquete à mesa dos demônios. Sim, este é o desejo do homem natural, pois "toda a imaginação dos pensamentos de seu coração [é] só má continuamente". O homem não regenerado deseja o momento do tormento, ele anseia sofrer, quer ser entregue às suas próprias paixões pecaminosas e regozija-se malignamente no dia de sua morte. Oh! Triste realidade! Abomináveis pensamentos que o homem natural possui! "Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus" (Tg 4.4).
Não é necessário realizar coisa alguma para se constituir inimigo de Deus, basta somente "ser amigo do mundo". O fato do homem já nascer destituído da glória de Deus (Rm 3.23) já lhe sentencia à morte e tormento perpétuo. A mais bela criança ao nascer, caso venha a crescer e não seja agraciada pela rica e abundante misericórdia do Senhor, na verdade não nasceu bela, mas ímpia, desfigurada e dilacerada pelo fel que corrompe seu coração. Crianças que são deixadas em sua própria sorte, no tempo oportuno se inscreverão nas corporações de Satanás e passaram a trabalhar arduamente por esta causa maligna. Isto elas farão de bom coração, pois por terem mais amizade com o mundo são chamadas de "inimigo de Deus". Todas as hostes celestiais e seus cooperadores na terra serão postos sobre os Seus pés no dia do juízo final. Aqueles homens e aquelas mulheres que desejaram ter suas riquezas neste mundo terão a triste visão de que a perdição que desejaram não era exatamente o que pensavam. O inferno cheio de alegria, mulheres, prazeres e diversão que lhes fora prometido pelos demônios, na verdade será um tormento eterno, um lugar onde a lágrima não escorre do olho por tanto se alegrar, mas sim de tanto chorar. Um lugar horrendo; quente por causa do fogo, mas ao mesmo tempo frio por causa do afastamento e ira de Deus; um lugar comunitário por causa de milhares de miríades que lá estão, mas também um lugar solitário, pois não haverá companheirismo verdadeiro; um lugar onde não somente o corpo sofre as debilidades e dores mais agudas que se pode imaginar, mas igualmente um terrível tormento sobrevirá sobre a alma cativa e a levará a ter por desprezo o dia de seu nascimento.
Que sejamos mudados e temamos a santa presença do Senhor! Que reconheçamos que o homem natural nada pode fazer para transformar seu estado perverso em bem-aventuranças. Assim como Lázaro precisou da ordem de Cristo para que levantasse, semelhantemente todos os bilhões de homens e mulheres que habitam esta terra precisam ouvir do Senhor. Assim como o cego Bartimeu clamava pelo Senhor, mas durante certo tempo não teve sua prece ouvida, também nós estamos impotentes diante de Altíssimo. Ao menos que Ele nos diga, "Tem bom ânimo; levanta-te, que ele te chama" (Mc 10.49), permaneceremos mendigando por este mundo.
3. A causa do afastamento de Deus não era pequena - "em ofensas e pecados".
Paulo não nos fala que Cristo nos vivificou de pequenos deslizes e algumas coisas um pouco desagradáveis. Não somos informados de que o afastamento era porque havíamos rompido alguma regra moralmente aceita ou que não prestamos a devida atenção a alguma pequena parte da Lei - absolutamente nada disto é dito. O apóstolo proclama que a causa do afastamento eram os pecados cometidos pelo homem vil e pecador. Se por um lado o homem já nasce com o pecado, por outro, o restante de sua vida apenas confirma este e revela, então, seus "pecados".
Para entendermos o que são os pecados que nos afastavam do Senhor, é mister a compreensão de que: "Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos" (Tg 2.10). O homem não regenerado consegue cumprir os mandamentos assim como o sol consegue deixar de brilhar durante o dia - lhe é algo impossível. Para nossa completa tristeza, muitos são os que ainda pensam que a Lei de Deus não é boa e não deva ser seguida pelos cristãos. A estes, então, vem de encontro o dito de Paulo: "Que diremos pois? É a lei pecado? De modo nenhum. Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás" (Rm 7.7). Em outras palavras, mas não menos brandas, o Senhor está dizendo por meio do apóstolo que se alguém rejeita a Lei, rejeita também o padrão de conduta para os filhos de Deus - e quando assim faz, fica sem qualquer indicativo do que o Senhor requer, levando tal homem a condenação e perversidade, pois quem delimita seus caminhos já não é mais o Senhor, e sim tão somente seus desejos malignos. "Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu ele. Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?" (Jo 5.46-47) - "E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos. Então abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras" (Lc 24.44-45).
Nossa afronta natural a Deus é algo que não podemos calcular. Nem mesmo o mais terrível serial-killer, o maior terrorista, a mais vil prostituta ou grandioso saqueador de bens alheios fez tanto mal à sociedade do que o pecado faz no ser humano em relação a Deus. O homem que adentra uma sala e sai desferindo tiros a todos quanto encontra em sua frente faz um bem inigualável quando comparado aos pecados que saem de nosso coração em direção ao Senhor. O estuprador é um bom homem em comparação com nossas vilezas diante do Santo Deus.
Nossa afronta natural a Deus é algo que não podemos calcular. Nem mesmo o mais terrível serial-killer, o maior terrorista, a mais vil prostituta ou grandioso saqueador de bens alheios fez tanto mal à sociedade do que o pecado faz no ser humano em relação a Deus. O homem que adentra uma sala e sai desferindo tiros a todos quanto encontra em sua frente faz um bem inigualável quando comparado aos pecados que saem de nosso coração em direção ao Senhor. O estuprador é um bom homem em comparação com nossas vilezas diante do Santo Deus.
Que neste dia possamos ser agraciados pelo Eterno e reconhecermos Sua magnífica e beatífica luz que iluminou nossos olhos e nos trouxe à Vida - "E esta é a promessa que ele nos fez: a vida eterna" (1Jo 2.25).
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