Efésios 1.6 - "Para louvor e glória da sua graça"
Exposição em Efésios -
Sermão pregado dia 08.04.2012
"Para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado" (Ef 1.6).
Sempre nos é mister atentar para o fato de que todas as coisas redundam inevitavelmente no louvor e glória do nome do Deus Altíssimo, pois visto que uma vez Ele é o criador e sustentador de tudo, nada resta às criaturas do que se vangloriar em qualquer vã esperança que possam cogitar ter em si mesmas.
O apóstolo Paulo tem nos levado por caminhos maravilhosos mediante o desenrolar da narrativa aos efésios, donde aprendemos deveras doutrinas e apontamos importantes para nossa vida. Um dos pontos cruciais que o apóstolo deseja cravar em nossos corações, na presente epístola, é o ensinamento de que Deus é o sustentador e guardador de toda Sua obra, de modo que reiteradamente nos apresenta palavras como eleição, predestinação, desde a fundação do mundo, adoção, para sua glória, mostrando-nos sempre qual deve ser o ponto de partida para todo e qualquer entendimento acerca da palavra do Eterno: Sua revelação dada a nós, isto é, a Bíblia.
Após o santo apóstolo ter nos dito que todos os crentes são eleitos antes da fundação e que tal eleição passa pela via da predestinação graciosa de Deus, proferida e culminada em nosso Senhor Jesus Cristo, ele agora nos apresenta outra nuance dessa graciosa obra realizada em favor de nós, a saber, que todo o povo de Deus foi escolhido "Para louvor e glória da sua graça".
Louvor. Nos é necessário apontar o fato de que quando Deus proclama - através de Paulo - que todas coisas convergem em Cristo Jesus, isso tem por objetivo nos ensinar que tudo o que Deus faz é bom, pois ao criar a terra viu que tudo era bom, o homem foi criado à Sua imagem e semelhança e isso foi bom, Seu Filho Jesus é bom, Sua obra na cruz é boa... de modo que levou o profeta a dizer: "E direis naquele dia: Dai graças ao SENHOR, invocai o seu nome, fazei notório os seus feitos entre os povos, contai quão excelso é o seu nome" (Is 12.4 - grifo meu). O profeta era consciente do quão grande era o nome do Senhor, de quantas maravilhas Ele havia efetuado em meio ao Seu povo. Contudo, essa não é uma peculiaridade do profeta, pois quantas são as vezes que nos deparamos com magníficos louvores de gratidão, honra e exaltação ao Rei dos Reis? Não nos é incomum encontrar, mesmo na leitura diária, diversas vezes o nome do Senhor sendo engrandecido em meio ao povo de Israel e também mediante a expansão do evangelho que chegou até os gentios. Uma vez que todas as coisas foram criadas para o Seu louvor, resta-nos apenas nos deleitar nas maravilhas eternas e contemplar graciosamente a obra do Amado em quem somos adotados mediante Seu amor.
Graça. Aqui também reside um dos grandes baluartes da fé cristã. Não há homem que possa esquivar-se da verificação de que o Senhor está sempre presente com Sua graça em nossas vidas. Em outro lugar (Rm 1.20) o apóstolo mesmo nos diz que a própria natureza revela a soberania e o caráter criativo do Senhor, de modo que ninguém será livre por não ter "ouvido a mensagem da salvação", pois embora não tenham ouvido literalmente, pela dureza dos seus corações não renderam graças ao Artífice - por meio da natureza - e por isso serão condenados. No entanto, parece-nos que o apóstolo deseja transmitir-nos não somente um ensino de que todas as coisas culminam na obra de Cristo, mas que também todas as coisas nos advém mediante a Sua graça atuante em nossos corações. Para entendermos melhor esse fato, nos é necessário fazer uma breve distinção entre graça e misericórdia.
Quando falamos da graça de Deus estamos nos referindo àquele favor completamente imerecido de nossa parte, àquele feito que de modo algum poderia ser alcançado pelo homem vil e pecador. A graça de Deus é o entendimento correto de que se fazemos algo moralmente bom, se temos algo do que podemos nos alegrar nessa vida, e mais, principalmente a salvação que atua em nós, tudo é provindo da graça soberana do Senhor em nossas vidas, pois o que mais poderíamos desejar de um Deus soberano que até mesmo sabe o número de cabelos de nossa cabeça e ordena que cada um deles caia no tempo adequado (Mt 10.30)? Já a misericórdia de Deus é frequentemente representada como aquilo que deveríamos receber, mas não recebemos - isto é, a morte instantânea por nosso pecado e violações dos preceitos divinos. O conhecido versículo nos diz que "As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim" (Lm 3.22). Enquanto a graça do Senhor nos dá tudo àquilo que não merecíamos, a misericórdia do Senhor é causa de não sermos punidos por nossos pecados, de modo que constantemente deveríamos render louvores ao Senhor e magnificar Seu santo Nome entre as nações, pois foi do agrado do Senhor fazer conhecida a Sua graça e misericórdia na vida de todos os eleitos. Porém, para que alguém não insurja-se e alegue que os ímpios também são agraciados pela Sua graça e misericórdia, faço dois apontamos: Em primeiro lugar, se a graça é tudo aquilo que recebemos por bondade do Senhor e, conforme Rm 8.28, tudo que acontece aos crentes é para o seu próprio bem, deduz-se claramente que a graça do Senhor não atinge a todos os homens de igual maneira. A doutrina comumente conhecida como "graça comum" deve ser cuidadosamente analisada (para não cairmos em erro), pois haja vista que o Senhor não pode contradizer-se por meio de Sua própria palavra (o que O levaria a anular Sua soberania), Ele não pode ao mesmo tempo agraciar o ímpio e depois mandá-lo para a perdição eterna; da onde retiramos a conclusão de que, embora o ímpio receba o sustento e cuidado do Senhor (seus filhos nascem e crescem, sua empresa não vai à falência, sua família se reúne constantemente...), sua paga se restringe à essa terra, não podendo em hipótese alguma crer assim como o cristão de que "todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus", porque seu coração é obstinado e rebelde contra o Senhor, o que invariavelmente o torna excluso da graça salvadora do Eterno. Em segundo lugar, a misericórdia do Senhor, de acordo com Thomas Watson, possui duas finalidades: salvar o crente e condenar o descrente. A misericórdia do Senhor é salvífica na vida do crente porque ele foi transformado pelo Senhor e a cada novo amanhecer ele reconhece que depende de Sua misericórdia, pois seus pecados são muitos e não há nada que consiga oferecer ao Senhor para que aplaque Sua ira, exceto o apegar-se constantemente no Seu único Filho e somente a Ele devotar louvores. Para o descrente, entretanto, a misericórdia do Senhor tem a finalidade de culpá-los ainda mais devido a rebeldia presente em seus corações. "Então disse a Abrão: Sabes, de certo, que peregrina será a tua descendência em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos, Mas também eu julgarei a nação, à qual ela tem de servir, e depois sairá com grande riqueza. E tu irás a teus pais em paz; em boa velhice serás sepultado. E a quarta geração tornará para cá; porque a medida da injustiça dos amorreus não está ainda cheia" (Gn 15.13-16 - grifo meu).
É também sempre importante salientar que a graça e misericórdia do Senhor sempre estiveram presente na história redentora do povo de Israel. Infelizmente não são poucos os homens que pregam acerca de que a graça do Senhor (e mesmo Seu Espírito Santo!) não estava presente no Antigo Testamento. Contudo, se não estava presente, o que foi a arca de Noé que livrou esse santo e sua família da perdição? O que foi a abertura do Mar Vermelho e o livramento da escravidão do Egito? O que foi o maná vindo do céu e as codornizes enviadas pelo Eterno? Acaso alguém ousará afirmar que todas as coisas aconteceram por obra do acaso? E ainda mais: o que foram as vitórias na guerra, as bênçãos do Senhor em meio ao deserto da obstinação e revolta contra o Seu nome, a visitação do Seu Espírito e instrução acerca da vida civil, moral e espiritual? Algum louco cogita que tudo isso não se deu devido à Sua rica e abundante misericórdia estendida ao povo, mesmo em face de tamanha ousadia em ultrajar os intentos do Mestre? Que ninguém, em hipótese alguma, ouse afirmar que o Senhor não se fazia presente nos tempos pretéritos.
Parece-nos também que o apóstolo deseja afirmar que sendo todas as coisas fruto de Deus e tendo como finalidade primeira o "louvor e glória da sua graça", nenhum homem pode desejar arquitetar uma forma de Deus guiar o Seu povo; conforme lemos: "O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito" (Jo 3.8). Para a tristeza dos homens infrutíferos e que dizem não ser o Senhor soberano sobre todas as coisas, essa declaração é como uma bomba explodindo perto de suas faces e que logo deteriorará todo o seu senso de justiça própria e pseudo-entendimento-teológico-frustrado.
Então, sendo tudo feito para o louvor e glória da graça do Senhor, apóstolo acrescenta ainda outro entendimento importante, isto é, que mediante essas coisas "nos fez agradáveis a si no Amado".
Quando anteriormente o apóstolo exortou-nos sobre a importância de reconhecermos que todos os crentes são predestinados "para filhos de adoção por Jesus Cristo", ele o fez como que num desdobramento de sua sentença ainda anterior, isto é, de que uma vez eleitos somos também predestinados e isso culmina - no caso dos crentes - na nossa adoção por Jesus Cristo. Nesse ponto nos é mui benigno atentar para a salutar questão acerca de que uma vez adotados em Cristo, agora somos agradáveis ao Amado, isto é, ao Senhor nosso Deus.
"(Pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou) e desta sorte é introduzida uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus" (Hb 7.19). Calvino corretamente apontou que na vida do crente a Lei serve-lhe como um chicote, no qual constantemente é chicoteado e vê-se completamente sem esperança, pois basta olhar para qualquer um dos mandamentos e já percebe-se que tem infringido-os, fazendo verdadeira as palavras de Tiago que dizem: "Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos" (Tg 2.10). No entanto, esse "chicote" da Lei não é o fim em si mesmo, diz Calvino, e sim que serve-nos de guia até Cristo (cf. Gl 3.24), de modo que tenhamos alívio em nosso corpo e consciência por sabermos que quando estamos unidos no Senhor, a Lei já não nos chicoteia para a morte e perdição, mas sim para a vida, pois estamos sob a Cruz e nela toda ira de Deus já foi desferida contra Seu único filho, o que se traduz em dizer que de maneira magnífica os filhos do Senhor foram adotados pelo beneplácito de Sua vontade, levando cada um deles a um encontro com o salvador e os fazendo cônscios do quão pecadores são, conduzindo-os a cada dia em maior humildade diante do Eterno Artífice e Sustentador de todas as coisas; pois quem de nós, tal qual uma criança adotada, poderia gloriar-se em alguma vã prepotência de si mesmo, ao contrário, simplesmente não abraçaria graciosamente o Amado que a tem salvo?
Uma vez que os crentes proclamam a soberania plena de Deus, seria mister que todos bradassem em alta voz que suas adoções se deram graças ao Amado Senhor que sempre lhes é benigno e gracioso. Sendo Deus também de tamanha amabilidade para conosco, e sempre reconhecendo que o Pai enviou seu único Filho para morrer por nós, quem somos diante d'Ele para desejarmos buscar nos escusar de Suas ordens e estatutos divinos? Ora, como filhos adotados que somos, quem desejaria instruir ao Pai sobre qual a melhor forma de educar Seus filhos? Na adoção, glória, honra e respeito são sempre devidos ao pai, pois qual criança possui liberdade de sair do orfanato do pecado e ir à cidade buscar abrigo para sua alma?
Muitos homens incautos têm rejeitado a instrução do Senhor acerca de Sua soberania plena - que amavelmente culmina em nossa graciosa adoção. Ao lerem versículos como "Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade" (Gl 5.13), entendem - erroneamente - que Cristo os chamou para longe de Sua Lei, para afastarem-se de uma moralidade cristã, para irem onde seus corações desejarem, tudo como se ao tornarem-se cristãos, não tivessem de viver mais sobre um jugo, negando desse modo as palavras do próprio Cristo que dizem: "Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (Mt 11.30). Nenhum homem deve imaginar que a Lei do Senhor foi abolida na vida dos crentes, pois uma vez que Cristo nunca proferiu qualquer sentença que nos dissesse que estamos livres da observância dela, naturalmente depreende-se de que ela ainda nos é útil e benéfica. Porém, deve-se observar, agora em Cristo, o bom uso da Lei na vida do crente, ou seja, que embora ela não nos condene, pois estamos em Cristo, ela serve-nos de estrada para cumprirmos nosso papel de crentes adotados por Cristo Jesus. Pois se tão somente houvéssemos sido adotados e não nos fosse dado qualquer parâmetro para viver, como saberíamos qual a forma correta de levarmos nosso novo viver sob o cuidado do Mestre? Acaso desejaríamos viver por conta própria e fazermos pouco caso do Senhor que comprou-nos com seu único Filho?
Portanto, é nessa seara que sempre devemos plantar nossas ações e agradecimentos ao Senhor, louvando-o diariamente pelos Seus feitos gloriosos, sempre cantando louvores em todas as ocasiões (cf. Sl 47), pois se há alguma coisa que podemos oferecer ao Altíssimo, é tão somente nosso louvor e gratidão por Sua obra vicária na cruz que resgatou-nos do domínio das trevas e nos fez ver grande luz (At 9.3), pois se assim não fosse, não seríamos adotados para o louvor da Sua glória, nunca receberíamos o deleite de Sua graça e jamais desfrutaríamos de uma comunhão com o Senhor, pois por natureza somos filhos bastardos e relegados à ira divina.
Louvado seja o Senhor por tudo que nos tem feito.
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