O Velho Puritano inglês era alguém que honrava a Deus acima de tudo, e sob Deus dava a cada um o que lhe era devido. Seu primeiro cuidado era servir a Deus e nisso ele não fazia o que lhe parecia bom aos seus próprios olhos, mas o que é bom do ponto de vista de Deus, fazendo da Palavra de Deus a regra da sua adoração. Ele tinha em alta conta a ordem na Casa de Deus, mas não se submetia, por causa disso, a ritos supersticiosos que são supérfluos e morrem pelo uso. Ele reverenciava a autoridade mantida em sua esfera, mas não se atrevia, sob pretexto de sujeição aos poderes mais altos, a adorar a Deus segundo as tradições dos homens. Ele observava todos os mandamentos de Deus, mas alguns ele estimava como de maior conseqüência.
Ele passava muito tempo em oração; com ela ele iniciava e terminava o dia. Nela ele era muito exercitado em seu quarto, com sua família e na assembléia pública. Ele valorizava mais aquela forma de oração em que, pela graça de Deus, as expressões variavam de acordo com as necessidades e ocasiões presentes; entretanto não considerava erradas as formas fixas. Portanto naquela situação da igreja ele não rejeitava completamente a liturgia, mas a corrupção dela. Ele considerava a leitura da palavra uma ordenança de Deus tanto em particular como em público, mas não julgava que a leitura era pregação. A palavra lida ele considerava ter mais autoridade, mas a palavra pregada maior eficiência.
Ele considerava a pregação tão necessária agora quanto na Igreja Primitiva, estando ainda o prazer de Deus na loucura da pregação a fim de salvar aqueles que crêem. Ele considerava superior aquela pregação em que havia mais de Deus, menos do homem, quando eram recusados adornos vãos de inteligência e palavras, e a demonstração do Espírito de Deus e de poder era enfatizada. Entretanto ele era capaz de distinguir entre simplicidade instruída e rudeza negligente. Ele considerava a clareza a melhor graça de um pregador; e o melhor método aquele que era mais útil à compreensão, afeições e memória. Para isso ele considerava ordinariamente que nenhum era mais adequado do que doutrina, ponderação e uso. Os melhores sermões eram aqueles que chegavam mais perto da consciência, todavia de forma a ter as consciências dos homens despertadas, e não desanimadas.
Ele era um homem de bom apetite espiritual e não se contentava com uma refeição por dia. Um sermão à tarde era apreciado por ele tão bem como um pela manhã. Ele não ficava satisfeito com orações sem pregação; de forma que se esta estivesse faltando em casa, ele a buscaria em outro lugar, ainda que ele tomasse o cuidado de não desencorajar seu pastor por sua ausência, desde que o pastor fosse fiel, ainda que outro pudesse ter dons mais vivos. Uma palestra ele respeitava, apesar de não ser necessária. Ainda que fosse uma benção, ele a recebia com um pouco de dor e sentimento de perda.
O Dia do Senhor ele considerava uma ordem divina, e o descanso nele necessário, desde que conduzisse à santidade. Ele era muito consciencioso na observância daquele dia como o dia de mercado da alma. Ele tinha cuidado em lembrar-se dele, de deixar casa e coração em ordem para ele e quando o dia chegava, ele se aplicava em melhorá-lo. Ele livrava a manhã de sono supérfluo e vigiava o dia inteiro seus pensamentos e palavras, não só para restringi-los da maldade, mas também do mundanismo. Todas as partes do dia eram como que santas para ele e ele se dedicava continuamente a uma variedade de deveres santos; o que ele ouvira em público, ele repetia em particular, para afiar a si mesmo e a sua família. Recreações permitidas ele considerava inadequadas para este dia e as ilegais muito mais abomináveis. Mas ele conhecia a liberdade que Deus lhe deu para o necessário refrigério, o qual ele nem recusava, nem abusava.
O sacramento do batismo que ele recebera na infância ele observava olhando para trás ao atingir a idade correta para responder a seus compromissos e reivindicar seus privilégios. A Ceia do Senhor ele considerava parte do alimento da alma, pela qual ele trabalhava para manter o apetite. Ele a considerava como uma ordenança da mais estreita comunhão com Cristo e portanto requeria preparação ainda mais precisa. Seu primeiro cuidado estava no exame de si mesmo, mas como um ato de ofício ou caridade ele tinha também um olhar para os outros. Ele procurava pôr os escandalosos para fora da comunhão; mas ele mesmo não os expulsava, porque os escandalosos eram tolerados pela negligência de outros. Ele condenava a superstição e vaidade dos jejuns papistas, mas não desperdiçava uma oportunidade para humilhar sua própria alma através de um verdadeiro jejum. Ele abominava a doutrina papista do opus operatum em ação. E na prática não se apoiava na performance, mas no que era feito em espírito e em verdade.
Ele entendia que Deus tinha deixado uma regra em sua Palavra para disciplina, e era a aristocrática por meio de anciãos, não a monárquica por meio de bispos, nem a democrática por meio do povo. Disciplina adequada ele julgava não pertencendo ao ser, mas ao bem-estar de uma igreja. Então ele considerava como mais puras aquelas igrejas em que o governo era exercido por presbíteros, mas não julgava como falsas igrejas que procedessem diferentemente. Perfeição nas igrejas ele achava ser algo mais para ser desejado do que esperado. E, portanto ele não esperava um estado da igreja em que não houvesse qualquer defeito. As corrupções que havia nas igrejas ele considerava seu dever lamentar com esforços para correção; mas ele não se separava, de forma que ele poderia participar da adoração sem participar da corrupção.
Ele não atribuía santidade às igrejas, como no templo dos judeus; mas considerava-as convenientes como as sinagogas deles. Ele as teria mantido decentes, mas não magníficas, sabendo que o evangelho não requer pompa externa. Sua principal música estava no cântico de salmos, nos quais, apesar de não negligenciar a melodia da voz, ele cuidava principalmente da melodia do coração. Ele não gostava do tipo de música na igreja que provocava deleite sensual e era um obstáculo ao avanço espiritual.
Ele considerava a sujeição aos poderes mais altos como parte da religião pura, como também a visita aos órfãos e viúvas. Entretanto ele distinguia entre a autoridade e as luxúrias dos magistrados. Àquelas ele se submetia, mas nestas ele não se atrevia a ser servo de homens, tendo sido comprado por preço. Leis e ordens justas ele obedecia de boa vontade, não só por temor, mas também por dever de consciência; mas aquelas que eram injustas ele recusava-se a observar, escolhendo obedecer antes a Deus do que ao homem. Todavia sua recusa era modesta e com submissão às penalidades, a menos que ele pudesse obter indulgência da autoridade.
Ele tinha cuidado em todos os relacionamentos no saber, e no dever, e isso com singeleza de coração como a Cristo. Ele considerava a religião como um compromisso com o dever; que os melhores cristãos deveriam ser os melhores maridos, melhores esposas, melhores pais, melhores filhos, melhores senhores, melhores servos, melhores magistrados, melhores súditos para que a doutrina de Deus pudesse ser adornada e não blasfemada.
Sua família ele se esforçava por tornar uma igreja, tanto em relação a pessoas como a práticas, e não admitia ninguém nela a não ser que fosse temente a Deus. Também se esforçava para que aqueles que fossem nascidos nela pudessem nascer de novo para Deus. Ele abençoava sua família de manhã e à noite por meio da palavra e oração e se preocupava em executar essas ordenanças no melhor período possível. Ele criava os filhos na disciplina e admoestação do Senhor e ordenava aos seus criados que se mantivessem nos caminhos do Senhor. Ele estabelecia a disciplina na sua família, como ele a desejava na igreja, não apenas reprovando, mas restringindo a maldade.
Ele era consciencioso quanto à equidade tanto quanto à piedade, sabendo que a injustiça é tão abominável quanto a impiedade. Ele era cauteloso em prometer, mas cuidadoso em executar, considerando sua palavra não menos compromisso do que um contrato. Ele era um homem de coração misericordioso, não somente em consideração ao seu próprio pecado, mas com a miséria alheia, não considerando a misericórdia como algo arbitrário, mas um dever necessário em que da mesma forma que ele orava por sabedoria e direção, ele também buscava alegria e generosidade para agir.
Ele era sóbrio no uso das coisas desta vida, preferindo esmurrar o próprio corpo a mimá-lo, contudo ele não se negava o uso das bênçãos de Deus, para que não fosse ingrato, mas evitava os excessos para que não se esquecesse do Doador. Nas suas vestimentas ele evitava opulência e vaidade, nunca excedendo seu grau de civilidade, nem recusando o que era apropriado ao Cristianismo, desejando em todas as coisas expressar seriedade. Toda sua vida ele a tinha como uma guerra em que Cristo era seu capitão; suas armas, oração e lágrimas. A cruz, seu estandarte; e seu lema: Vincit qui patitur (o que sofre conquista).
Ele era imutável em todo tempo, de forma que aqueles que no meio de muitas opiniões perderam a visão da verdadeira religião, podiam retornar a ele e encontrá-la novamente.
*Publicado pela primeira vez em 1646
Fonte: Bom Caminho
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