I. O texto de Romanos 14.5,6 não permite aos cristãos a celebração do Natal?
“Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente. Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz e o que não faz caso do dia para o Senhor não o faz" (Rm 14.5,6a).
1. Paulo, em sua epístola aos Romanos, lidava com uma situação única na igreja primitiva. Havia judeus crentes que “consideravam os dias santos da economia mosaica como dotados de santidade permanente". Os “dias" mencionados em Romanos eram dias ordenados por Deus na antiga economia. Paulo menciona “os dias santos e cerimoniais da instituição levítica". Quase todos os comentaristas concordam com essa interpretação. Paulo permite a diversidade na Igreja a respeito desses dias santos judeus por causa de circunstâncias histórias exclusivos. Quando Jesus Cristo morreu na cruz, os aspectos cerimoniais da lei (p.ex., sacrifícios de animais, dias santos, circuncisão etc.) foram cumpridos. Entretanto, antes da destruição de Jerusalém e do templo no ano 70 d.C., os apóstolos permitiram certas práticas por parte dos cristãos de origem judaica desde que se não lhes atribuísse a justificação. Em Atos 21.26, encontramos o apóstolo Paulo indo ao templo “anuncia[r] serem já cumpridos os dias da purificação". Aos judeus crentes acostumados a manter certos dias santos da economia mosaica foi permitida a continuação dessas práticas durante certo tempo. Porém, destruído o templo, completado o cânon das Escrituras, e a existência da Igreja durante uma geração completa, essas circunstâncias históricas únicas findaram. E mesmo que essa passagem posse aplicável à situação presente, ela não poderia ser utilizada para justificar o Natal, porque os dias mencionados por Paulo não foram “cristianizados" a partir de dias santos pagãos nem de dias santos arbitrariamente estabelecidos por seres humanos. Portanto, se essa passagem ainda fosse aplicável em nossos dias, ela seria usada apenas para justificar a celebração privada dos dias santos judaicos por crentes judeus “fracos" na fé. Ela não pode ser usada como justificativa para dias estabelecidos por seres humanos ou dias pagãos não ordenados por Deus.
2. Essa passagem não apenas não permite aos cristãos celebrar o Natal, mas ela também proíbe a celebração de cultos de Natal de qualquer tipo, bem como festas natalinas. Paulo permite a diversidade na Igreja a respeito deste assunto (i.e., os dias santos dos judeus). Ambos os grupos devem se aceitar mutuamente em busca de paz e unidade na Igreja. Os dois lados crêem obedecer a Palavra de Deus. “A conformidade forçada ou a pressão exercida com o objetivo de assegurar a conformidade anula os objetivos aos quais as exortações e reprimendas são dirigidas." Dessa forma, seria errado que os crentes judeus fracos levassem a Igreja a ter um culto de adoração em honra de um dia santo cerimonial, porque os crentes gentios fortes não se sentiriam compelidos a estarem presentes nesse culto público a Deus. Portanto, aqueles que celebravam os dias santos judaicos faziam-no em particular para o Senhor. Quem usa essa passagem para justificar a celebração do Natal deveria, da mesma forma, sentir-se forçado pela injunção de Paulo a manter o dia em caráter privado. Então, cultos natalinos e festas de Natal na Igreja deveriam cessar pela violação da liberdade cristã de não celebrar essa data. É claro que pelo fato de o Natal não ser ordenado por Deus e constituir um monumento à idolatria, sua celebração é proibida[1].
Pastores e presbíteros que autorizam a celebração do Natal abusam de seu ofício. O pastor e os líderes de uma igreja recebem sua autoridade de Deus. Eles são responsáveis por reger a igreja de acordo com a Palavra de Deus. Quando pastores e presbíteros autorizam o culto especial de Natal, eles o fazem por conta própria, pois não há garantia da Palavra de Deus para proceder assim. Portanto, neste ponto ele não age de modo diferente de um papa ou bispo, introduzindo invenções humanas na Igreja. As pessoas na igreja que se recusam a tomar parte no dia festivo pagão-papal, que se recusam a adorar a Deus de acordo com a imaginação humana, que se recusam a adorar a Deus sem autorização divina, são forçadas pela liderança local a permanecer em casa em vez de estarem presentes ao culto público a Deus. Portanto, neste ponto, muitos presbíteros atuam como papas, prelados e tiranos em detrimento do rebanho de Deus por tirarem a liberdade que temos em Cristo para adorar a Deus como corpo “em espírito e verdade", publicamente, no dia do Senhor.
II. Os judeus nos dias da rainha Ester não estabeleceram um dia santo não autorizado pela lei de Moisés? Este exemplo não permite que a Igreja estabeleça dias santos (p.ex., Natal) não autorizados pela Bíblia?
1. Quase não há semelhanças entre o Natal e Purim. Purim consiste em dois dias de ação de graças. Os acontecimentos do Purim são: “alegria e gozo, banquetes e dias de folguedo [...] e [o envio de] presentes uns aos outros e dádivas aos pobres" (Et 8.17; 9.22). Não havia culto público, atividades dos levitas e nem cerimônias. Os dois dias de Purim têm mais em comum com o dia de ação de graças e com jantares de família que com o Natal. Essa data certamente não é a justificativa para os cultos natalinos. Sua celebração é mais parecida com os dias de ação de graças, que ainda são permitidos, e não com os dias santos cerimoniais do sistema levítico. De fato, os teólogos de Westminster usaram a celebração de Purim como texto-prova para a autorização de dias de ação de graça (Et 9.22)[2].
2. Purim foi um acontecimento histórico único na história da salvação de Israel. O festival foi decretado por autoridades civis: pelo primeiro ministro Mardoqueu e pela rainha Ester. O povo concordou de forma unânime. A ocasião e autorização de Purim estão escritas na Palavra de Deus e foram aprovadas pelo Espírito Santo. O imperativo bíblico de não adicionar nem subtrair aplica-se às leis e adoração estabelecidas por seres humanos. Ela certamente não proíbe o Espírito Santo de completar o cânon da Escritura e instituir novas regulamentações.
3. O Natal é intrinsecamente imoral por ter sido estabelecido sobre monumentos da idolatria pagã. Não há nada errado um país manter um dia de ação de graças por um ato especial de libertação divina. Contudo, há algo muito errado quando uma igreja corrupta tenta dar características cristãs a vestimentas pagãs; e algo muito errado quando protestantes conspiram com a Igreja corrupta de Roma e usam o piedoso Mardoqueu como desculpa.
III. Não se questiona que o Natal não tenha lugar no culto público a Deus, mas não seria correto celebrá-lo em particular?
O problema com esse conceito é o pressuposto de que o Princípio Regulador do Culto seja restrito apenas ao culto público. Não existe evidência bíblica para apoiar o uso do Princípio Regulador apenas nessa ocasião. De fato, a Bíblia apóia o conceito oposto. Caim foi condenado por uma inovação no culto particular (Gn 4.2-8). Noé, em um culto familiar, ofereceu animais limpos a Deus (Gn 8.20,21). Deus se agradou e aceitou a oferta de Noé a favor de si mesmo e de sua família. Abraão, Jacó e Jó ofereceram sacrifícios a Deus em cultos particulares ou familiares de acordo com a Palavra de Deus. Deus aceitou essas ofertas legais. A idéia de permissibilidade de inovações no culto em família ou particular não é bíblica; é totalmente arbitrária por não se basear na revelação divina. Se uma novidade desagrada a Deus no culto público, como ela poderia agradá-lo no culto particular. Se fosse assim, de acordo com essas premissas, poderíamos possuir em casa pequenas capelas onde queimaríamos incenso, vestiríamos sobrepelizes, mitras, evitando apenas o uso dessas coisas em cultos públicos.
Existem algumas diferenças entre o culto público e o particular (p.ex., o culto particular pode ser feito duas ou três vezes por dia, ao passo que o culto público deve ser realizado pelo menos uma vez a cada dia do Senhor). Indivíduos nas denominações reformadas que trouxeram inovações não bíblicas como o Natal, mulheres ensinando Bíblia e teologia para homens em estudos bíblicos e aulas de escola dominical, a introdução de hinos e melodias de Natal etc., não procuram justificar essas práticas mediante a Escritura. Em vez disso, elas arbitrariamente regulamentam essas atividades sem consultar o Princípio Regulador do Culto ao dizer que elas se encontram na esfera do culto particular. Pastores e rebanhos se encontram tão apaixonados por essas inovações que partem para a mistificação. Agem como se pastores, papas ou bispos possuíssem autoridade para transformar o culto particular (no qual presumem a permissão da autonomia humana) em culto público (onde a Palavra reina suprema) ao dizer: “Agora tem início o culto público a Deus". Em que parte da Bíblia o culto público é relegado a poucas horas no dia do Senhor. Jesus Cristo disse: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou no meio deles" (Mt 18.20)[3]. Como pode uma mulher ensinar homens em particular no domingo. Como poderiam cinqüenta pessoas cantar canções natalinas no culto particular. Não presuma a permissão divina para inovações e autonomia humana no culto particular. Tente prová-las pela Palavra de Deus. Você não conseguirá. Não declare arbitrariamente que suas práticas se referem ao culto particular quando são próprias do culto público. Os rabinos do passado justificavam todo tipo de coisas sem sentido com o mesmo raciocínio.
A Bíblia diz: “um pouco de fermento faz levedar toda a massa" (1Co 5.6; Gl 5.9). Quando presbíteros e pastores presbiterianos pararam de disciplinar membros da igreja por causa da celebração doméstica do Natal nos séculos XIX e XX, praticamente permitiram que o fermento pagão-papista do Natal se espalhasse. De fato, foi o que aconteceu. Deve-se procurar bastante para encontrar um lar de presbiterianos onde a invenção papista não seja celebrada[4].
IV. Nós não celebramos o Natal. Para nós o dia é apenas um dia comum em família. O que poderia haver de errado nisso?
Há 365 dias no ano. É interessante que o dia anual da reunião da família ocorra exatamente em 25 de dezembro. Por acaso vocês não estariam imitando seus vizinhos pagãos e sua cultura. Vocês não estariam celebrando o dia, como os demais e apenas declarando o secular como justificativa ou desculpa. Se você estiver passando um dia agradável em família, você encherá sua sala com monumentos e lembranças da idolatria passada e presente. Você diz ser apenas um dia secular em família, mas você tem uma árvore de Natal, sempre verde, visco, presentes, velas e cantigas. É óbvio que vocês celebram o Natal da mesma forma que os papistas. A verdade é que se vocês eliminarem toda a parafernália pagã do Natal, então provavelmente não se incomodarão em celebrá-lo. O dia pagão perderia seu fulgor, charme e atração emocional. Como cristãos devemos nos dedicar à família. Devemos nos reunir com nossos parentes e usufruir mutuamente de sua companhia. Mas não precisamos de um dia de festa pagã para fazê-lo.
Conclusão
Se a Igreja de Jesus Cristo deve ser sal e luz para nossa cultura degenerada, ela deve purificar a própria casa. Mais e mais cristãos têm tentado impactar positivamente nossa cultura pagã. Eles tentam resgatar a data do humanismo secular e do estadismo. Esse novo envolvimento é necessário, mas ele não será bem-sucedido até que a Igreja retorne à pureza doutrinária e do culto alcançada pela ala calvinista da Reforma. O Estado romano pagão com todo o seu poder não conseguiu destruir a Igreja cristã. A Igreja prosperou a despeito da tirania e da opressão do Império Romano. O que causou o colapso da Igreja foi a decadência interna. A corrupção da doutrina e do culto na Igreja a tornaram uma fonte de heresia, superstição, idolatria e tirania.
O evangelicalismo moderno se encontra em um sério estado de declínio. O movimento de crescimento da igreja, o movimento ecumênico, o pragmatismo e a manutenção da paz têm precedência sobre a integridade doutrinária e o culto puro. Como resultado, o evangelicalismo moderno é frouxo, comprometido, impotente e morno. Não é simples coincidência que a Igreja tenha tido um impacto mais positivo sobre a sociedade e a cultura quando sua doutrina e culto eram mais puros (p.ex., o segundo período da Reforma na Escócia, 1638). Só quando retornarmos ao culto bíblico rejeitaremos a autonomia humana.
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Notas:
[1] Em Gl 4.10,11 e Cl 2.16,17 a guarda de dias é concenada por Paulo por sua conexão nesses casos com heresias. A situação em Roma era diferente. Os dias eram guardados por causa de má-compreensã. Não havia o envolvimento de heresias e aplicação de justiça derivada de obras.
[2] Confissão de fé de Wetminster, (1647), cap. XXI, seção 5, texto-prova (a).
[3] O povo de Deus é a Igreja; quer se reúnam em edifício próprio, celeiro, estacionamento ou casa. Quando os cristãos se juntam para ouvir a Palavra de Deus, há uma reunião da igreja. Trata-se de culto público quer ele comece às 7h ou às 23h. O culto público deve ocorrer no dia do Senhor, mais isto não significa que o culto público esteja limitado a um dia apenas.
[4] Como demonstramos antes, o Natal é um monumento à idolatria passada e presente; portanto, mesmo sem a intervenção do Princípio Regulador do Culto é errado celebrá-lo no lar, no escritório, na igreja, no clube etc.
Por Brian Schwertley
Fonte: Eleitos de Deus
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