A Questão do Desarmamento no Brasil -
por Victor Targino de Araujo
por Victor Targino de Araujo
Trazer à tona, novamente, esta questão, demonstra, no mínimo, a leviandade e hipocrisia com que o legislador e as autoridades tratam a segurança pública no Brasil, sobretudo quanto à presença de armas de fogo na sociedade.
Proibir, quando é possível uma regulamentação e controle, ainda que rígidos, por parte do Estado, é um retrocesso. O acesso lícito às armas pela população civil, no Brasil, é alvo de uma das legislações mais duras, cujo controle é feito minuciosamente pela autoridade pública. Porém, em contrapartida, existem armas ilícitas no país aos montes - inclusive algumas que nem o exército possui - reforçando os arsenais de bandidos e organizações criminosas pelo território nacional.
Destarte, somente o cidadão de bem, se preocuparia em atender a todos os requisitos legais para obter uma arma, efetuando seu devido registro, pagando impostos e efetuando testes psicológicos. Que dirá obter porte de arma, algo ainda mais difícil e restrito. Portanto, não resta dúvida, que para roubar, matar, extorquir mediante seqüestro etc., os criminosos vão recorrer ao mercado clandestino, livre e de muito mais fácil acesso que o pequeno e limitado, mercado lícito. Ora, por que o legislador, ao invés de tentar coibir o tráfico e a criminalidade, tenta reprimir o cidadão de bem, retirando-lhe o direito de adquirir uma arma em uma loja, seja qual for o motivo (coleção, desporto, defesa etc.), e equiparando-o a um meliante da pior espécie, que busca, na ilicitude, desafiar o patrimônio, a liberdade e a vida das pessoas?
Desarmar populações civis sempre foi atitude corriqueira na cartilha de governos desumanos e autoritários. Hitler, Stalin, Mao-Tsé-Tung, Pol Pot, compõem o rol de déspotas que se utilizaram desta prática, como forma de opressão e dominação sócio-política sobre seus subjugados, isto é, o povo. Por que o Brasil, um Estado Social e Democrático de Direito, deveria associar sua imagem a governos conduzidos por pessoas do mais baixo caráter, cuja restrição de direitos civis e cujo desrespeito aos direitos humanos sempre foram elementos norteadores de suas condutas?
Notório que a esmagadora maioria dos crimes que ocorrem no Brasil, são cometidos mediante uso de arma de fogo obtida no “mercado negro”, seja ela proveniente do exterior ou não. Isto reforça a ideia de que, o legislador, ao retomar a proposta de desarmamento, visa coibir aquele cidadão que, dentro da lei, quer comprar sua arma de fogo. Não resta dúvida de que o “matador do Realengo” não adquiriu sua arma em qualquer loja, sequer possuía porte e tampouco participou de qualquer teste psicológico – e se o tivesse feito, certamente não seria autorizado a tê-la –, tornando a sociedade, mais uma vez, refém do tráfico de armas e da hipocrisia do legislador, que propõe cercear um direito concedido a um cidadão de bem, mas por outro lado, não traz qualquer medida ou solução para as armas ilícitas presentes aos montes na Federação, objetos da grande maioria dos crimes cometidos.
Mesmo a menor parcela dos crimes no Brasil, aqueles mediante armas de fogo lícitas, são em sua maioria, praticados por autoridades, sejam elas policiais, promotores, juízes etc., que possuem e continuarão possuindo porte de arma, qualquer que seja o resultado de um futuro plebiscito ou referendo. Tal medida proposta pelo Senado atingiria, somente, a parte mínima da mínima dos ilícitos penais cometidos na República, dando a entender que o legislador prefere dar atenção aos menores problemas possíveis e deixar com que os grandes se resolvam sozinhos.
Isto leva a crer que, enquanto, na mídia, trata-se insistentemente de questões já resolvidas por referendo, como esta, fatos muito mais importantes, como o tráfico e comércio de armas ilícitas, ou a falta de aparelhamento das polícias e exército para um combate mais rígido à criminalidade, são deixadas ao léu pelas autoridades públicas. Mesmo as formas de participação popular direta, pilares norteadores da democracia, como plebiscitos, referendos e consulta pública, são deixadas de lado pelo Parlamento, ignorando-se o interesse do povo em decidir o melhor para o país. Desde a promulgação da atual Carta Magna, em 1988, só houve um plebiscito (forma de governo) e um referendo (desarmamento!), atingindo-se a incrível média de um a cada 11 anos. Agora, insiste o legislador em discutir, por plebiscito ou referendo, o que fora discutido em outro referendo.
O curioso é que, não obstante a escassíssima utilização das formas de consulta popular, o legislador pretende empregá-las duas vezes para o mesmo assunto, fazendo parecer com que o povo brasileiro pudesse ter decidido equivocadamente na primeira vez. Portanto, não só a extinção de um direito, mas reacender a ideia de desarmamento hoje, no Brasil, ao promover outro referendo ou plebiscito, é, conforme bem colocado nas palavras do Presidente da OAB, Dr. Ophir Cavalcante, “um desrespeito à vontade popular manifestada em referendo realizado em 2005”. Não há dúvida que, por ora, a referida questão está superada, e que esta atitude de “bater na tecla”, por parte do Senado, não deixa de ser uma inegável afronta à soberania popular, que encerrou, há apenas cinco anos, o presente debate.
Fonte: Presbiterianos Calvinistas
Muito bom seu texto Victor e também o Felipe que postou,eu entendo que o governo está tentando persuadir a massa que tem pessoas de bem na sua maioria, estão jogando a culpa no cidadão que tem sua arma roubada e comercializada ilegalmente, porém os bandidos possuem um poder de fogo que a políca não tem, armas de uso exclusivo do exército, isso mostra que as forças armadas também não tem competência para contralar sua armas, finalizando então, a falha existe em quem governa, precisa acontecer algo que chega ao conhecimento de todos para se manifestar sobre as armas.
ResponderExcluirVou repassar um texto muito bom que li que mostra um outro ponto de vista, o da falta de tratamento psiquiátrico adequado a portadores de graves transtornos mentais.
ResponderExcluirA tragédia anunciada
Não foi só nas cartas e vídeos deixados pelo atirador que a tragédia de Realengo foi anunciada, ainda que não publicamente, como veio a ser após o tenebroso desfecho das ameaças armazenadas há meses. Embora a comoção tenha levado a discussões sobre desarmamento, policiamento nas escolas etc, um fato relevante parece ignorado: descrito por psiquiatras como portador de grave doença mental, o criminoso vivia isolado, não se tratava há anos e era considerado um “esquisito” pela família. Ou seja, uma “bomba-relógio”, como outros tantos que existem no mundo, nas ruas, dentro dos lares, sem que sejam reconhecidos como tal, e que, lamentavelmente, podem explodir da pior maneira, levando inocentes com eles.
O estereótipo do atirador de Realengo é o mesmo dos que cometeram tais atrocidades em outros países. Difícil imaginar que não encontrem um jeito de adquirir armas e fazer planos mirabolantes para dar vazão a suas alucinações, reais ou imaginárias. É assustador, mas, como diz uma sábia terapeuta, “isso dá em gente”. Os sintomas não são encarados como doença, mas como “vagabundagem” ou até “maluquice”, sem maiores conseqüências. Até o momento em que aparecem as conseqüências. Fica a sensação de que somos impotentes diante deles, e de tantos casos de agressividade ou de suicídio de portadores de doenças mentais que não vêm a público. Quem convive é que sabe.
O problema é que as doenças mentais e emocionais ainda costumam ser escondidas, escamoteadas e, o que é pior, não identificadas por pacientes e famílias. Apesar das informações sobre o aumento de transtornos como depressão, ansiedade, pânico e uma “imensidão” de doenças classificadas pela área de Saúde Mental da OMS, ainda não há remédio para os dois piores males do setor: a desinformação e o preconceito. Embora haja uma espécie de “campanha”, hoje, contra o que alguns especialistas chamam de uso abusivo de antidepressivos, há outro aspecto - grave - da questão: pacientes que resistem ou abandonam o tratamento (o que só agrava as doenças) porque não querem ser tachados de “malucos” ou, simplesmente, porque não têm onde se tratar nem conseguir medicamentos. Tampouco há campanhas públicas de esclarecimento e “desestigmatização” desses transtornos, como acontece com males como a Aids e o câncer, por exemplo.
No Brasil, a Reforma Psiquiátrica desativou 70% dos leitos do país e descentralizou o atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), que não fazem internações e não dispõem de medicamentos que a população precisa. Se não tem condição de pagar o caríssimo tratamento particular, onde o paciente vai se tratar? “Nossa política de saúde mental não tem nenhuma estratégia porque está sendo tratada de forma ideológica, com base no conceito da antipsiquiatria. Isso reforça o equívoco de que o paciente se recupera sem ajuda clínica”, afirmou o psiquiatra Valentim Gentil, chefe do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP), numa reportagem à Revista Época cuja capa era o desabafo do poeta Ferreira Gullar, pai de dois filhos esquizofrênicos (um falecido).
Gullar disse: “Dói ter de internar um filho, mas às vezes não tem jeito. As famílias, principalmente as sem recursos, não têm mais onde deixar seus filhos, que viram mendigos loucos, delirantes, que podem agredir alguém. O Ministério da Saúde tem de olhar para isso.” O psiquiatra Jurandir Freire Costa fez um diagnóstico lúcido: “A discussão sobre a necessidade de leitos hospitalares deveria ser técnica, não ideológica. Não podemos nos esquecer dos horrores da situação anterior (à Reforma). O que havia era muito pior. Mas não podemos defender os defeitos da Reforma. Se uma única pessoa estiver sem assistência, já é um bom motivo para fazer a crítica, porque é inaceitável. Devemos denunciar e discutir os erros, porque é assim que a discussão avança”,
Cátia Moraes