quarta-feira, 24 de março de 2010

A salvação depende da liberdade?

Texto por
Filipe Luiz C. Machado
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A questão da liberdade humana sempre causou confusão e discórdia entre os pensadores. Podemos pensar que liberdade é a ausência de deveres e obrigações ou também pensarmos que é a livre vontade de escolher em não cumprir determinadas regras. Mas afinal, o que vem a ser liberdade?

De acordo com o Dicionário Aurélio, "faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação. Estado ou condição de homem livre." Liberdade portanto significa ser livre de tudo e de todos.

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Frequentemente tem se falado dentro de nossas igrejas que o homem é livre para decidir e tomar suas decisões. Tal afirmação não deixa de ser verdadeira até certo ponto, porém no tocante à salvação, tal afirmação torna-se uma faca de dois gumes. Afirmar que o homem é livre para decidir sobre sua salvação é ferir e tratar com desdém a necessidade do Espírito Santo na vida do crente. Afinal, se o homem é livre, pode muito bem escolher se achegar até Deus por sua livre e espontânea vontade. Neste pensamento, o Espírito Santo estaria apenas observando a atitude do possível crente a sua frente, morrendo de vontade de entrar em sua vida e de transformá-la para a glória de Deus, mas ainda isso não lhe é possível, pois o indivíduo ainda não pronunciou o "sim" de sua permissão a Deus.
Vamos agora pensar como cristãos. Se somos de fato livres, estamos isentos de toda e qualquer influência externa, passando assim a agir conforme nossa própria vontade e determinação. Nada nos guia, nos controla ou exerce poder; apenas o eu interior é que comanda o que iremos ou não fazer. Seguindo este pensamento, surge-nos uma dúvida que não podemos deixar passar: como conheceremos a Deus se ele não se mostrar a nós? Há chance de imaginarmos por nós mesmos o Deus real e então o seguirmos? Há possibilidade do ser humano encontrar Deus em seu trono por suas próprias forças? Aqueles que defendem a liberdade humana para a salvação, incorrem no infeliz veredicto: o Espírito Santo deixa de ser necessário. Afinal, decretar a liberdade humana é descartar a necessidade de uma nova vida mediante o sangue de Cristo e o seu Espírito Santo.

"Mas pera aí!" alguns podem dizer, "não estamos excluindo Cristo e seu Espírito de nossas vidas, apenas dizemos que podemos nos achegar até ele se assim desejarmos". Porém como veremos a seguir, nem desejar tal coisa é possível para os que estão afastados de Deus.

Segundo o relato da queda do homem descrito em Gn 3, vemos que o homem após pecar foi condenado a morte. O Senhor havia dito anteriormente, "Não comam do fruto da árvore que está no meio do jardim, nem toquem nele; do contrário vocês morrerão". Como sabemos pela narrativa bíblica, homem e mulher comeram e juntos morreram; não apenas fisicamente, mas também espiritualmente. Paulo compreendeu muito bem essa questão quando relatou em Ef 2.1 "Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados".

Desde o começo das Sagradas Escrituras até o seu fim (se é que podemos chamar de fim), o homem é descrito como sendo uma criatura caída e destituída de boas obras. É descrito como alguém enredado pelo pecado e que não tem a mínima vontade em si mesmo de se voltar para Deus. A narrativa nos mostra que para tais indivíduos, Deus é algo tão distante e aparentemente inútil, que ele sequer pensa nisso. O simples pensar em Seu nome Santo e em Sua santidade já causa repulsa e horror. O pecado cega o entendimento e faz com que o pecador seja destituído de qualquer ato de aproximação para com Deus. "Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus" Rm 3.23

Conforme Paulo escrevia acerca de nossas transgressões e pecados, é compreensível que ele continuasse seu pensamento dizendo "Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira. Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos a vida com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões - pela graça sois salvos" (grifo do autor). O homem que defende que o ser humano é totalmente livre de Deus, deve ter um pouco de trabalho para desmentir o ensino de Paulo. Afinal, como iríamos viver se não houvesse quem nos ressuscitase? A menos que tal pessoa creia que a queda do homem não foi total, fica difícil refutar tal pensamento paulino e bíblico.

Mas lá vem eles de novo, "veja bem, Deus nos ressuscita e agora cabe a nós respondermos a essa ressurreição". É justo dizermos que naquilo que diz respeito ao nosso viver e andar nesse mundo, somos nós que vamos até Jesus. Eu estou aqui escrevendo porque vim até o computador. Mas de nada adiantaria ter vindo para escrever se eu não tivesse um computador para escrever! Eu não pensaria em escrever se não estivesse pré-disposto (por Deus) a isso. Seria inútil tentar escrever se não fossem me dadas mãos para digitar e cérebro para pensar. Portanto, se formos trabalhar com a ideia de que a resposta para a nossa salvação depende única e exclusivamente de nós, veríamos que o trabalho de Deus foi em vão. Ora, por que Ele iria ressuscitar pessoas que depois de ressurretas iriam querer voltar ao túmulo? Se Deus é de fato soberano, não seria mais prudente ressuscitar apenas os que iriam viver de fato? Não há lógica em dizer que Deus é soberano e ao mesmo tempo que depende da resposta humana para realizar o Seu propósito.

Para finalizar, A. W. Pink ilustra com maestria a liberdade do homem sem Deus:

"Tenho na mão um livro. Solto-o. O que acontece? Ele cai. Em que direção? Para baixo; sempre para baixo. Por quê? Porque obedecendo à lei da gravidade, seu próprio peso o leva para baixo. Imaginemos, porém que eu deseje que o livro fique um metro para cima. Então, o que fazer? Preciso erguê-lo. Uma força externa precisa fazê-lo subir. Esta é a relação entre o homem caído e Deus. Enquanto o poder divino o sustenta, ele é impedido de afundar cada vez mais no pecado; retirado esse poder, o homem cai - seu próprio pecado (qual peso) o afunda. Deus não o empurra para baixo, como eu também não empurrei o livro para baixo. Removidas todas as restrições divinas, todo homem seria capaz de tornar-se e se tornaria um Caim, um Faraó, um Judas. Como, pois, pode o pecador subir em direção aos céus? Por um ato de sua própria vontade? Não. Um poder externo precisa dominá-lo, para então erguê-lo a cada centímetro em sua subida. O pecador é livre, mas em uma só direção - livre para cair, livre para pecar ". (grifo do autor) (1)

Resta-nos apenas crêr que Deus é o autor da salvação e que "isso não depende do desejo ou esforço humano, mas da misericórdia de Deus." Rm 9.16.

Que Deus nos ilumine!

(1) Pink, A. W. - Deus é soberano - Ed. Fiel - pág. 112

4 comentários:

  1. Philip's... estou convidando vc pro blog de missões, ok?
    =)
    Creio que terá muito a acrescentar.
    A paz,
    Blue

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  2. Caro Filipe,

    Seu blog é muito inspirativo; e estou grato por sua visita ao Olhar Calvinista e por manter o link Fé Reformada por aqui.

    Deus continue com você!

    Um forte abraço,

    Marcos Sampaio

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  3. Filipe,

    bom ler teus textos.

    Neste tema as pessoas confudem Arbítrio e Agência.

    o homem é um agente moral livre, mas sua vontade é escrava de sua natureza, portanto sem liberdade para arbitrar sobre as coisas espirituais.

    Responsável e incapaz. Há os dois ensinos na Palavra, cumpre-nos obedecê-los e proclamá-los.

    Em Cristo

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  4. Não concordo com sua visão, ela exclui a relação de amor entre o ser humano e seu Criador. Todo ser humano possui uma lei, que alguns teólogos chama de lei moral, ou seja, possui algo de Deus - os atributos comunicáveis de Deus como bandade,carinho etc... O Espírito Santo nos ensina por este caminho, a permanecermos nesta verdade.
    Não acredito na predestinação, não acredito que a história já esteja pronta e todas as coisas determinadas por Deus. Isso seria ilógico!
    Se quiser conversar sobre isto meu e-mail é f.matoso@globo.com

    abraços

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