A rejeição da Lei e a abolição do Evangelho -
por Jorge Fernandes Isah
por Jorge Fernandes Isah
Ao ler o trecho abaixo, veio-me à mente o quanto o entendimento da Lei tem sido preterido e negligenciado entre os cristãos, ao ponto de, com raras exceções, todos considerarem que, de alguma forma, com a encarnação do Senhor, ocorreu também a abolição da lei. Este é um comentário sobre essa falsa premissa, que espero, se Deus quiser, complementarei em futuras postagens.
Primeiramente, vamos à frase: “As leis cerimoniais, as leis civis e o código penal foram anulados, e a lei moral recebeu mais esclarecimentos na pessoa e nos ensinos de Jesus Cristo"[1].
Ora, o que temos aqui? Se Cristo veio cumprir a lei, e elevou-a a condição muito superior, ao ponto em que não se é preciso cometer o delito, mas somente idealizá-lo para que o pecado seja consumado, como a lei foi anulada? E, em qual sentido o foi? E mais, quem a anulou?
Quer dizer que tudo o que Deus estabeleceu como abominação, como odioso aos seus olhos e, por isso, merecedor de castigo, escrito na Lei, foi abolido e não o desagrada mais? Não há código moral e ético vigente? Passamos a viver no “faça o que quer, me deixe fazer o que quero”? Essa mentalidade não está próxima da visão pós-moderna e relativista do mundo atual? Ou, mesmo pior, pois elimina qualquer critério de justiça e moral? Ao menos os relativistas acreditam numa moral pessoal e subjetiva; no conceito acima, não se chega nem a isso. Então, como viveremos? Livres para pecar e cometer delitos?
Outra questão que me vem à mente é: seria Deus mutável ao ponto de alterar sua escala de valores? E dar por errado o que é certo? E dar por imoral o que é moral? E desdizer o que disse? E eliminar o que estabeleceu?... O que se está a defender é a não unidade da Escritura e, por conseguinte, a não perfeição divina.
Cristo é superior à Lei, inclusive, na exigência de se cumpri-la. Não basta uma conduta exterior, mas ela também tem de ser interior. De nada adianta eu não ir para o motel com uma amante, se penso em levá-la e ter conjunção carnal, mesmo que somente em pensamento. De nada adianta não roubar, se o tempo todo estou a cobiçar o que é de outrem. Nem fraudar, se estou a proferir “mentirinhas” a cada dez palavras pronunciadas. Para Cristo, não basta limpar o exterior do copo e do prato, mas o seu interior [MT 23.26]. O que não quer dizer que o exterior não deva ser limpo, também. Acontece que essa é uma questão afeita somente aos eleitos, àqueles que são capacitados por ele a se manterem limpos por dentro e por fora, em seu caráter santificador. Por que Cristo veio nos libertar do jugo da lei, da sua conseqüência mais grave, a condenação, “para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra” [Rm 7.6]. Paulo, em seguida, arrematou: “Que diremos pois? É a lei pecado? De modo nenhum. Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçaras” [v.7]. Este é um verso “knock down”, daqueles que lança o interlocutor distraído à lona. Pois, se a lei foi abolida, também o pecado o foi; se a lei foi abolida, não há necessidade de Salvador, nem de salvação, pois todos estão salvos. Se esse é o entendimento, não há necessidade de Evangelho nem de sua proclamação, pois o reino já é efetivamente verdade na vida de todos os homens; e todas as demais promessas que falam de julgamento, tribunal, condenação, juízo, e punição no inferno, não passam de lendas, ou quando muito uma ficção do que poderia ser o futuro, caso a lei não fosse abolida. Paulo ratifica esta idéia ao diz: “porquanto sem a lei estava morto o pecado” [v. 8].
Alguns acrescentarão: mas a lei foi abolida apenas para os salvos, por aqueles que Cristo morreu, o qual pregou-a no madeiro [2]... É, porém, os antilei não a querem também para os ímpios, nem que a sociedade seja regida por ela; preferem uma lei regida e controlada pela mente e pela cultura humana; então, como fica o beco-sem-saída que os antilei criaram para si mesmos?... O certo é que a lei deve ser cumprida por todos, eleitos e réprobos; não como algo apenas espontâneo, que se deve obedecer por vontade própria, mas por coerção, e temor ao castigo oriundo da quebra da lei.
Cristo também disse que não veio abolir a Lei, mas cumpri-la; como exigência para que os eleitos fossem salvos, não para que fossem dispensados de cumpri-la. Isso revelaria um “cristo antinomiano”, que sequer se importaria em cumprir, ele mesmo, a lei. Porque desprezá-la é um claro sinal de rebeldia, e não de obediência, a qual o Senhor sempre teve pelo Pai e sua Lei. Se Cristo tivesse abolido-a, estaria a dar carta-branca para o livre-pecador, de tal forma que não haveria abundância da graça, mas da iniqüidade. Uma perversão no sentido de graça, de justiça e santidade divinas. E o que é pior, anulando-as completamente, o que significaria anular a própria natureza divina.
Somos salvos, mas não somos livres para pecar, ao contrário, somos livres para não pecar.
O erro portanto está em anular o que Deus não anulou; achando que anulou, quando o que o homem quer é anulá-lo para gozar uma liberdade que não se tem.
O próprio julgamento final, e a condenação ao inferno daqueles que descumpriram a lei, demonstram a sua validade, pois como Paulo disse, ninguém é justificado pela Lei, mas por ela todos são julgados e condenados; “de outro modo, como julgará Deus o mundo?” [Rm 3.6]. Cristo veio trazer salvação e redenção para o seu povo, mas o povo que não é seu, será condenado pela Lei, em seu caráter penal. Não se esqueça de que o inferno é a penitenciária de segurança máxima que Deus estabeleceu para o diabo, seus anjos e os ímpios, por toda a eternidade. E lá, a pena não se paga jamais; como o Senhor disse, o inferno é o lugar onde o bicho não morre e o fogo nunca se apaga [Mc 9.44].
O estranho é que, com uma falsa idéia na cabeça, muitos cristãos se opõem ao caráter político da lei, de que o ímpio pode ser punido no inferno, mas não pode sê-lo aqui no mundo. Há até mesmo a defesa da lei humana sobre a divina, numa clara inversão de valores, como se a lei de Deus não fosse atemporal, permanente, para todos os homens e nações. Chega a ser desesperadora a forma como muitos defendem a não aplicabilidade da lei no mundo atual. Como se o crime fosse mais justo do que a sua prescrição legal, como se a pena fosse injusta, e o ato criminoso, assim como o seu autor, devessem estar sempre debaixo da indulgência da sociedade. Essa mentalidade de que somos responsáveis pelo criminoso e o seu crime, mas não somos responsáveis por puni-lo e evitar que incorra novamente em delito, não é somente um tiro no pé, mas na própria cabeça, e na alma de quem pensa assim. Parece-me que a distorção é tão grande, o foco escriturístico perdido há tempos, que não resta outra saída a não ser perpetuar a injustiça, pois a Lei justa, perfeita e santa, assim como é justo, perfeito e santo o seu Autor, Juiz e Executor, que a deu a todos indistintamente, não tem mais lugar no presente século, no mundo moderno.
Contudo, não foi isso o que Cristo disse, como está escrito: "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim abrogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til jamais passará da lei, sem que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus" [Mt 5.17-20].
O Senhor enfatiza duas coisas nestes versos:
1- Ele não veio destruir a lei ou os profetas;
2- Até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til da lei passará sem que tudo seja cumprido [e o cumprimento dela no Calvário se deu para os eleitos; mas os ímpios estão debaixo dela, e sujeitos a ela, no que ainda ela não se cumpriu integralmente, o que acontecerá no Juízo Final].
3- Qualquer que violar um destes mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no reino dos céus.
4- Qualquer que ensinar e cumpri-los será chamado grande no reino dos céus.
Interessante que o Senhor usa a expressão “jota e til” para indicar os menores e menos importantes detalhes da lei, porém, como provenientes de Deus, são duradouros e devem ser observados. Promover a injustiça torna o seu promotor em injusto; defender a não cumprabilidade da lei é um erro gravíssimo, uma rebelião com sérias conseqüências e riscos aos que assim pensam, porque, ao assim agirem, estão a tentar enfraquecer a sua obrigatoriedade, a diminuir a sua abrangência, destituí-la de significado e relativizar o absoluto; um golpe atrevido por demais, com a intenção de tornar em verdade a mentira, de se reescrever a palavra de Deus pela fraude de uma pretensa espiritualidade.
Defender a descontinuidade da lei em seu aspecto legal, tanto civil como penal, é proclamar o reino da injustiça e dizer que nos tornamos mais sábios do que o próprio Deus, por isso, desprezamos o seu conselho, ficando com o nosso. Ou será que o salmista também perdeu-se no tempo, juntamente com a sua afirmação de que “abomino e odeio a mentira, mas amo a tua lei” [Sl 119.163]? Há descontinuidade na Bíblia? Ou temo-la por inteira, como a fiel palavra de Deus?
Sabemos que Cristo aboliu o caráter sacrificial e cerimonial da Lei, pois não é mais necessário que se imole carneiros e bodes para expiar os pecados, pois o Senhor já o fez por nós, uma única vez, na cruz. Portanto, não há essa necessidade; até mesmo porque Paulo nos diz que o sacrifício de touros e bodes não pode expiar os pecados, pelo contrário, imolá-los significava comemorar os pecados... De tal forma que sacrifícios, holocaustos e oblações pelo pecado não lhe agradaram, mas eis que Cristo veio para fazer, ó Deus, a tua vontade. “Tira o primeiro, para estabelecer o segundo” [Hb 10.9]. Deus não se agradava do primeiro sacrifício, por isso ele foi tirado e substituído pelo segundo, o qual Cristo o cumpriu integralmente, e do qual o Pai se alegrou. Aqui temos claramente uma ordem divina abolindo a lei sacrificial, pois ela era “sombra dos bens futuros; e não a imagem exata das coisas” [Hb 10.1]. Eram como símbolos apontando para o Redentor e Salvador das almas daqueles que creriam, e por isso, cumpriram a lei cerimonial ao sacrificar os animais; mesmo sabendo da sua inutilidade para expiar os pecados, mesmo sabendo que teriam de voltar a fazê-lo ano após ano, mas reconheciam a necessidade de obediência, de se observar aquilo que Deus estabelecera como prova de sujeição e amor ao seu santo e bendito nome. Quem pode questioná-lo?, diria Paulo; mas, quem és tu ó homem que a Deus replicas? [Rm 9.20].
As contradições no pensar do crente atual é que me são estranhas, por como pensam e o que pensam. De um lado, dizem que a Lei Moral, resumida nos Dez Mandamentos, prevalece para hoje e para o crente. Porém negam haver continuidade da lei judicial e penal, assim como da lei civil. Ora, se a Lei Moral condena pecados descritos e condenados na lei judicial e penal, bem como na civil, como se é possível defender um ponto e não defender os outros? Ou apenas se defende a exposição dos pecados sem defender a punição? A lei civil e penal nada mais é do que o detalhamento da Lei Moral, a fim de que o homem, em sua corrupção, não distorça e anule a Lei em sua aplicabilidade, fazendo-se ele mesmo legislador e juiz da sua causa.
Para piorar a situação, a base bíblica usada para a abolição da lei, não existe. Há várias distorções do seu sentido, confundindo-o com graça, salvação, evangelismo; confundindo-o com o caráter expiatório de Cristo, mas nada que corrobore a sua não legitimidade. O que normalmente se faz é afirmar uma coisa e negar as outras, sentenciando-as como verdade sem o respaldo escriturístico, o que as tornam falsas em suas afirmações de pôr fim ao pecado e as obras do mal, acusando-as sem condená-las. Seria dizer que o tiro matou, mas a bala não foi a causadora da morte, e sim o estampido da arma. Isso apenas descredencia o Evangelho, divide-o, esfacela-o, e faz de Deus um deus ambivalente, ao desejar que o seu povo ame a lei, e instantes depois a desprezem [visto que o ódio dos ímpios é natural, pois está a coibir-lhes a natureza pecaminosa]. Desta forma, constroem sobre o fundamento, Cristo, paredes de pau-a-pique tortas, que à primeira fagulha, ateia-se fogo em toda a casa, ainda que o fundamento não possa jamais ser queimado ou destruído. Tornam suas afirmativas em especulações sem fundamento, cuja base é tão somente opinativa ou pessoalmente preferencial, a partir de generalizações vagas e infundadas.
Outro erro é dizer que a lei somente pode e deve ser cumprida pelo crente, que através da regeneração e pelo poder do Espírito Santo buscará a santificação. Seria o que se chama de integridade ética aplicada na integralidade de vida. Ela serviria como parâmetro para se avaliar a vida cristã, "como um termômetro a medir a intensidade do nosso amor por Deus, da obediência à lei dele e da nossa dependência dele para a vida" [3]. Acontece que a Lei foi dada para a nação de Israel, o que representa dizer que foi entregue a crentes e descrentes, como o plano de Deus para que assim houvesse justiça e paz social, muito além do seu caráter meramente pedagógico [como aio] ou didático. Não se pode excluir o efeito justo e pacificador da Lei, pois ela foi produzida pelo Deus santo, perfeito e justo, e aplicável em todos os tempos e a todos sem exceção, como freio à desordem e incitação à ordem. Essa é a vontade de Deus, que não fosse revogada; porém é rejeitada exclusivamente porque, na sua mente, o homem caminha num processo de evolução, de melhoria, quando sabemos ser essa outra mentira. O humanismo fez com que o homem encontrasse em si mesmo a bondade [inexistente, falsa], e o fez crer que era bom, e o fez crer que essa bondade o restauraria, e consigo toda a sociedade. Por isso as leis são cada vez mais frágeis, contemporalizadoras com o mal, ao ponto em que se cumpre o que Isaias disse: tornam o mal em bem, e o bem em mal; fazem das trevas luz, e da luz, trevas [Is 5.20].
Portanto, quero fazer um desafio: alguém se habilita a provar, biblicamente, a descontinuidade da lei judicial, penal e civil, sem que se afete a unidade da Escritura?
Porque se abolindo a Lei, um dos pilares, a estrutura bíblica desmorona-se. E o que sobrará então, além da descrença? A impiedade dos ímpios; e a desonra a Deus pela rejeição da Lei, e a abolição do Evangelho.
Notas: [1] "Lei & Evangelho", Editor: Stanley Gundry, Ed. Vida, pg. 39, edição esgotada [2] Novamente, indico a leitura do meu texto "Lei e Graça: revelação divina" [3] "Lei & Evangelho", pg. 62
Fonte: Kálamos
Primeiramente, vamos à frase: “As leis cerimoniais, as leis civis e o código penal foram anulados, e a lei moral recebeu mais esclarecimentos na pessoa e nos ensinos de Jesus Cristo"[1].
Ora, o que temos aqui? Se Cristo veio cumprir a lei, e elevou-a a condição muito superior, ao ponto em que não se é preciso cometer o delito, mas somente idealizá-lo para que o pecado seja consumado, como a lei foi anulada? E, em qual sentido o foi? E mais, quem a anulou?
Quer dizer que tudo o que Deus estabeleceu como abominação, como odioso aos seus olhos e, por isso, merecedor de castigo, escrito na Lei, foi abolido e não o desagrada mais? Não há código moral e ético vigente? Passamos a viver no “faça o que quer, me deixe fazer o que quero”? Essa mentalidade não está próxima da visão pós-moderna e relativista do mundo atual? Ou, mesmo pior, pois elimina qualquer critério de justiça e moral? Ao menos os relativistas acreditam numa moral pessoal e subjetiva; no conceito acima, não se chega nem a isso. Então, como viveremos? Livres para pecar e cometer delitos?
Outra questão que me vem à mente é: seria Deus mutável ao ponto de alterar sua escala de valores? E dar por errado o que é certo? E dar por imoral o que é moral? E desdizer o que disse? E eliminar o que estabeleceu?... O que se está a defender é a não unidade da Escritura e, por conseguinte, a não perfeição divina.
Cristo é superior à Lei, inclusive, na exigência de se cumpri-la. Não basta uma conduta exterior, mas ela também tem de ser interior. De nada adianta eu não ir para o motel com uma amante, se penso em levá-la e ter conjunção carnal, mesmo que somente em pensamento. De nada adianta não roubar, se o tempo todo estou a cobiçar o que é de outrem. Nem fraudar, se estou a proferir “mentirinhas” a cada dez palavras pronunciadas. Para Cristo, não basta limpar o exterior do copo e do prato, mas o seu interior [MT 23.26]. O que não quer dizer que o exterior não deva ser limpo, também. Acontece que essa é uma questão afeita somente aos eleitos, àqueles que são capacitados por ele a se manterem limpos por dentro e por fora, em seu caráter santificador. Por que Cristo veio nos libertar do jugo da lei, da sua conseqüência mais grave, a condenação, “para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra” [Rm 7.6]. Paulo, em seguida, arrematou: “Que diremos pois? É a lei pecado? De modo nenhum. Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçaras” [v.7]. Este é um verso “knock down”, daqueles que lança o interlocutor distraído à lona. Pois, se a lei foi abolida, também o pecado o foi; se a lei foi abolida, não há necessidade de Salvador, nem de salvação, pois todos estão salvos. Se esse é o entendimento, não há necessidade de Evangelho nem de sua proclamação, pois o reino já é efetivamente verdade na vida de todos os homens; e todas as demais promessas que falam de julgamento, tribunal, condenação, juízo, e punição no inferno, não passam de lendas, ou quando muito uma ficção do que poderia ser o futuro, caso a lei não fosse abolida. Paulo ratifica esta idéia ao diz: “porquanto sem a lei estava morto o pecado” [v. 8].
Alguns acrescentarão: mas a lei foi abolida apenas para os salvos, por aqueles que Cristo morreu, o qual pregou-a no madeiro [2]... É, porém, os antilei não a querem também para os ímpios, nem que a sociedade seja regida por ela; preferem uma lei regida e controlada pela mente e pela cultura humana; então, como fica o beco-sem-saída que os antilei criaram para si mesmos?... O certo é que a lei deve ser cumprida por todos, eleitos e réprobos; não como algo apenas espontâneo, que se deve obedecer por vontade própria, mas por coerção, e temor ao castigo oriundo da quebra da lei.
Cristo também disse que não veio abolir a Lei, mas cumpri-la; como exigência para que os eleitos fossem salvos, não para que fossem dispensados de cumpri-la. Isso revelaria um “cristo antinomiano”, que sequer se importaria em cumprir, ele mesmo, a lei. Porque desprezá-la é um claro sinal de rebeldia, e não de obediência, a qual o Senhor sempre teve pelo Pai e sua Lei. Se Cristo tivesse abolido-a, estaria a dar carta-branca para o livre-pecador, de tal forma que não haveria abundância da graça, mas da iniqüidade. Uma perversão no sentido de graça, de justiça e santidade divinas. E o que é pior, anulando-as completamente, o que significaria anular a própria natureza divina.
Somos salvos, mas não somos livres para pecar, ao contrário, somos livres para não pecar.
O erro portanto está em anular o que Deus não anulou; achando que anulou, quando o que o homem quer é anulá-lo para gozar uma liberdade que não se tem.
O próprio julgamento final, e a condenação ao inferno daqueles que descumpriram a lei, demonstram a sua validade, pois como Paulo disse, ninguém é justificado pela Lei, mas por ela todos são julgados e condenados; “de outro modo, como julgará Deus o mundo?” [Rm 3.6]. Cristo veio trazer salvação e redenção para o seu povo, mas o povo que não é seu, será condenado pela Lei, em seu caráter penal. Não se esqueça de que o inferno é a penitenciária de segurança máxima que Deus estabeleceu para o diabo, seus anjos e os ímpios, por toda a eternidade. E lá, a pena não se paga jamais; como o Senhor disse, o inferno é o lugar onde o bicho não morre e o fogo nunca se apaga [Mc 9.44].
O estranho é que, com uma falsa idéia na cabeça, muitos cristãos se opõem ao caráter político da lei, de que o ímpio pode ser punido no inferno, mas não pode sê-lo aqui no mundo. Há até mesmo a defesa da lei humana sobre a divina, numa clara inversão de valores, como se a lei de Deus não fosse atemporal, permanente, para todos os homens e nações. Chega a ser desesperadora a forma como muitos defendem a não aplicabilidade da lei no mundo atual. Como se o crime fosse mais justo do que a sua prescrição legal, como se a pena fosse injusta, e o ato criminoso, assim como o seu autor, devessem estar sempre debaixo da indulgência da sociedade. Essa mentalidade de que somos responsáveis pelo criminoso e o seu crime, mas não somos responsáveis por puni-lo e evitar que incorra novamente em delito, não é somente um tiro no pé, mas na própria cabeça, e na alma de quem pensa assim. Parece-me que a distorção é tão grande, o foco escriturístico perdido há tempos, que não resta outra saída a não ser perpetuar a injustiça, pois a Lei justa, perfeita e santa, assim como é justo, perfeito e santo o seu Autor, Juiz e Executor, que a deu a todos indistintamente, não tem mais lugar no presente século, no mundo moderno.
Contudo, não foi isso o que Cristo disse, como está escrito: "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim abrogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til jamais passará da lei, sem que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus" [Mt 5.17-20].
O Senhor enfatiza duas coisas nestes versos:
1- Ele não veio destruir a lei ou os profetas;
2- Até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til da lei passará sem que tudo seja cumprido [e o cumprimento dela no Calvário se deu para os eleitos; mas os ímpios estão debaixo dela, e sujeitos a ela, no que ainda ela não se cumpriu integralmente, o que acontecerá no Juízo Final].
3- Qualquer que violar um destes mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no reino dos céus.
4- Qualquer que ensinar e cumpri-los será chamado grande no reino dos céus.
Interessante que o Senhor usa a expressão “jota e til” para indicar os menores e menos importantes detalhes da lei, porém, como provenientes de Deus, são duradouros e devem ser observados. Promover a injustiça torna o seu promotor em injusto; defender a não cumprabilidade da lei é um erro gravíssimo, uma rebelião com sérias conseqüências e riscos aos que assim pensam, porque, ao assim agirem, estão a tentar enfraquecer a sua obrigatoriedade, a diminuir a sua abrangência, destituí-la de significado e relativizar o absoluto; um golpe atrevido por demais, com a intenção de tornar em verdade a mentira, de se reescrever a palavra de Deus pela fraude de uma pretensa espiritualidade.
Defender a descontinuidade da lei em seu aspecto legal, tanto civil como penal, é proclamar o reino da injustiça e dizer que nos tornamos mais sábios do que o próprio Deus, por isso, desprezamos o seu conselho, ficando com o nosso. Ou será que o salmista também perdeu-se no tempo, juntamente com a sua afirmação de que “abomino e odeio a mentira, mas amo a tua lei” [Sl 119.163]? Há descontinuidade na Bíblia? Ou temo-la por inteira, como a fiel palavra de Deus?
Sabemos que Cristo aboliu o caráter sacrificial e cerimonial da Lei, pois não é mais necessário que se imole carneiros e bodes para expiar os pecados, pois o Senhor já o fez por nós, uma única vez, na cruz. Portanto, não há essa necessidade; até mesmo porque Paulo nos diz que o sacrifício de touros e bodes não pode expiar os pecados, pelo contrário, imolá-los significava comemorar os pecados... De tal forma que sacrifícios, holocaustos e oblações pelo pecado não lhe agradaram, mas eis que Cristo veio para fazer, ó Deus, a tua vontade. “Tira o primeiro, para estabelecer o segundo” [Hb 10.9]. Deus não se agradava do primeiro sacrifício, por isso ele foi tirado e substituído pelo segundo, o qual Cristo o cumpriu integralmente, e do qual o Pai se alegrou. Aqui temos claramente uma ordem divina abolindo a lei sacrificial, pois ela era “sombra dos bens futuros; e não a imagem exata das coisas” [Hb 10.1]. Eram como símbolos apontando para o Redentor e Salvador das almas daqueles que creriam, e por isso, cumpriram a lei cerimonial ao sacrificar os animais; mesmo sabendo da sua inutilidade para expiar os pecados, mesmo sabendo que teriam de voltar a fazê-lo ano após ano, mas reconheciam a necessidade de obediência, de se observar aquilo que Deus estabelecera como prova de sujeição e amor ao seu santo e bendito nome. Quem pode questioná-lo?, diria Paulo; mas, quem és tu ó homem que a Deus replicas? [Rm 9.20].
As contradições no pensar do crente atual é que me são estranhas, por como pensam e o que pensam. De um lado, dizem que a Lei Moral, resumida nos Dez Mandamentos, prevalece para hoje e para o crente. Porém negam haver continuidade da lei judicial e penal, assim como da lei civil. Ora, se a Lei Moral condena pecados descritos e condenados na lei judicial e penal, bem como na civil, como se é possível defender um ponto e não defender os outros? Ou apenas se defende a exposição dos pecados sem defender a punição? A lei civil e penal nada mais é do que o detalhamento da Lei Moral, a fim de que o homem, em sua corrupção, não distorça e anule a Lei em sua aplicabilidade, fazendo-se ele mesmo legislador e juiz da sua causa.
Para piorar a situação, a base bíblica usada para a abolição da lei, não existe. Há várias distorções do seu sentido, confundindo-o com graça, salvação, evangelismo; confundindo-o com o caráter expiatório de Cristo, mas nada que corrobore a sua não legitimidade. O que normalmente se faz é afirmar uma coisa e negar as outras, sentenciando-as como verdade sem o respaldo escriturístico, o que as tornam falsas em suas afirmações de pôr fim ao pecado e as obras do mal, acusando-as sem condená-las. Seria dizer que o tiro matou, mas a bala não foi a causadora da morte, e sim o estampido da arma. Isso apenas descredencia o Evangelho, divide-o, esfacela-o, e faz de Deus um deus ambivalente, ao desejar que o seu povo ame a lei, e instantes depois a desprezem [visto que o ódio dos ímpios é natural, pois está a coibir-lhes a natureza pecaminosa]. Desta forma, constroem sobre o fundamento, Cristo, paredes de pau-a-pique tortas, que à primeira fagulha, ateia-se fogo em toda a casa, ainda que o fundamento não possa jamais ser queimado ou destruído. Tornam suas afirmativas em especulações sem fundamento, cuja base é tão somente opinativa ou pessoalmente preferencial, a partir de generalizações vagas e infundadas.
Outro erro é dizer que a lei somente pode e deve ser cumprida pelo crente, que através da regeneração e pelo poder do Espírito Santo buscará a santificação. Seria o que se chama de integridade ética aplicada na integralidade de vida. Ela serviria como parâmetro para se avaliar a vida cristã, "como um termômetro a medir a intensidade do nosso amor por Deus, da obediência à lei dele e da nossa dependência dele para a vida" [3]. Acontece que a Lei foi dada para a nação de Israel, o que representa dizer que foi entregue a crentes e descrentes, como o plano de Deus para que assim houvesse justiça e paz social, muito além do seu caráter meramente pedagógico [como aio] ou didático. Não se pode excluir o efeito justo e pacificador da Lei, pois ela foi produzida pelo Deus santo, perfeito e justo, e aplicável em todos os tempos e a todos sem exceção, como freio à desordem e incitação à ordem. Essa é a vontade de Deus, que não fosse revogada; porém é rejeitada exclusivamente porque, na sua mente, o homem caminha num processo de evolução, de melhoria, quando sabemos ser essa outra mentira. O humanismo fez com que o homem encontrasse em si mesmo a bondade [inexistente, falsa], e o fez crer que era bom, e o fez crer que essa bondade o restauraria, e consigo toda a sociedade. Por isso as leis são cada vez mais frágeis, contemporalizadoras com o mal, ao ponto em que se cumpre o que Isaias disse: tornam o mal em bem, e o bem em mal; fazem das trevas luz, e da luz, trevas [Is 5.20].
Portanto, quero fazer um desafio: alguém se habilita a provar, biblicamente, a descontinuidade da lei judicial, penal e civil, sem que se afete a unidade da Escritura?
Porque se abolindo a Lei, um dos pilares, a estrutura bíblica desmorona-se. E o que sobrará então, além da descrença? A impiedade dos ímpios; e a desonra a Deus pela rejeição da Lei, e a abolição do Evangelho.
Notas: [1] "Lei & Evangelho", Editor: Stanley Gundry, Ed. Vida, pg. 39, edição esgotada [2] Novamente, indico a leitura do meu texto "Lei e Graça: revelação divina" [3] "Lei & Evangelho", pg. 62
Fonte: Kálamos
Aproveito a oportunidade compatível, para lembrar dos Adventistas do Sétimo dia, que (sabiamente) guardam e ensinam a guarda do Sábado como memorial da criação e parte da Lei Moral vigente.
ResponderExcluirOlá, Eduardo.
ExcluirOs Adventistas não guardam sabiamente o Dia do Senhor, pois no NT ele foi modificado para o primeiro dia da semana. Tendo interesse em aprender, pode procurar aqui no blog por "Reunião no Dia do Senhor".
Obrigado pela visita.
Oi Filipe, na paz querido? Creio na palavra imutável e eterna do nosso pai, mas minha intenção não é dividir e sim somar forças. Gostei muito do blog. Vou olhar tua dica com certeza.
ExcluirMaranata!
se nos devemos cumprir a lei hoje , voce conhece alguem que tenha cuprido a lei ,alem de jesus que foi o unico isso porque ele E DEUS
ResponderExcluir