Em agosto de 2014, tive o prazer de conseguir relatar a maravilhosa experiência de participar de minha primeira maratona em trilhas, praias e morros. Naquela ocasião (clique aqui para ler), busquei enfatizar o quanto o exercício físico pode nos ensinar sobre a importância da perseverança na vida cristã.
Agora, em agosto de 2015, mais precisamente no dia 08, tendo acabado os cinco anos de faculdade e me lembrando da icônica corrida do ano passado, resolvi encarar um novo desafio: correr 50 km por minha cidade. Se para o ano passado eu não havia treinado o suficiente e por isso sofri bastante (mas que lembro com saudades e faria tudo outra vez!), no presente momento eu vinha de um ano inteiro correndo e treinando - não com este foco específico, mas sempre na atividade e em movimento.
Para estes 50 km, saí às 05:45 de casa e corri perto de 1,5 km até onde me encontraria com um colega e outro rapaz que nos iria acompanhar de bicicleta. Chegando lá, infelizmente, nem sinal do corredor amigo - descubro, depois, que acabou programando errado o despertador. Reflito e mentalizo o trajeto proposto e me pergunto se conseguiria encarar tal jornada sem outro colega ao lado, afinal, seriam meus primeiros 50 km e tudo fica mais fácil com companhia de alguém que sofre contigo. Se desistisse, além de sentimento de "ser um fracassado" e de ter de dizer pra esposa e pra família que "não deu, porque eu tive medo de tentar", jamais saberia se correr tal distância me era possível e qual é a sensação de a terminar. Gentilmente, então, peço para o colega da bicicleta colocar minhas duas garrafas de isotônico em sua mochila e começamos o trajeto - desistir não era mais uma opção. Graças a Deus os 50 km foram concluídos com sucesso, tendo sido finalizados em 5h e 29min.
Passado este final de semana memorável (formatura em Direito, festa em família e os 50 km), estava lendo, nesta manhã, um interessante texto chamado Correr uma ultramaratona é a melhor forma de tortura [1], onde Lee Stobbs relata sua "loucura" de ter encarado uma das ultramaratonas mais difíceis que existe [2], mesmo nunca tendo corrida uma. Tal "ultra" consistia em correr de maneira autossuficiente (ou seja, levando todo o suprimento necessário) durante 7 dias, tendo de percorrer 272 km. Dentre as tantas dificuldades narradas e pensando sinceramente em desistir, o autor relata que ganhou novo ânimo ao escutar de outro corredor: nossos corpos sempre irão desistir, mas o corpo nunca está cansado se a mente estiver boa. E ele conclui seu texto da seguinte forma: eu posso estar quebrado, mas nunca me senti tão vivo.
Por meu pequeno conhecimento e informação sobre atividades físicas e acompanhando vários atletas e outras pessoas que passaram a se exercitar a partir de algum estímulo que receberam, posso afirmar que as palavras de Stobbs se encaixam perfeitamente em quase todos os praticantes de atividade física: é duro, difícil, extremamente desgastante e surgem infinitas vontades de desistir durante sua prática, todavia, o fim é glorioso. É algo inexplicável. É quase mágico: você sofre, tem vontade de xingar a si mesmo (por ter se colocado em tal encrenca), pensa em mudar para um esporte onde possa ficar sentado, por exemplo, mas ao fim (ou logo após ele), não perde por esperar a próxima oportunidade de experimentar tais sentimentos. É realmente algo inexplicável. Eu diria que é uma experiência que somente pode ser sentida e toda tentativa de a partilhar, sempre será menor do que a realidade.
Em nossa vida cotidiana, conhecemos muitas pessoas que se queixam de serem preguiçosas, frequentemente desistentes de seus sonhos e vontades, não tendo ânimo para muita coisa e sempre crendo que não são capazes de fazer algo grandioso. Em toda a família existe um indivíduo que se considera "menos" que os outros; em toda roda de amigos sempre há o que se julga "não ser bom em nada"; e sem contar o número sem fim de pessoas que sequer começa algo, pois temem não conseguirem completar.
Ontem, me dirigindo ao trabalho e escutando a rádio CBN, ouvi o professor Jair Santos comentar sobre o porquê muitos não "mudam" e tendem a permanecer sempre na mesmice - e uma das causas elencadas, dizia respeito a que o medo de não conseguir era maior do que a vontade de tentar. E me lembrei, por óbvio, que idêntica coisa acontece quando se busca começar alguma atividade física ou se lança um desafio aparentemente grandioso: tememos mais o fracasso, do que temos energia para empreender rumo ao, relativamente, desconhecido.
No texto de Stobbs citado, ele comenta sobre suas incertezas e inseguranças antes de se lançar em tal prova, afinal, quantos medos iria enfrentar e como iria reagir diante da sensação de insegurança por causa do inesperado - como suportar tudo isso? Correr por onde? Sozinho? Durante a noite? Passar por desertos, subir montanhas e andar em desfiladeiros? E se eu me perder? E se acabar a comida? O mesmo medo que tentava o aprisionar, também o impelia à mudança. Era o medo empreendedor que move o homem, o levando a experimentar novas sensações e crescer com elas.
É por isso que no exercício físico você aprende que, conquanto treinar o corpo seja essencial, se você não estiver mentalmente bem, tudo será em vão. Experimente, por exemplo, depois de uma discussão com seu cônjuge ou uma briga inesperada, tentar fazer algo que lhe seja desafiador: a probabilidade de êxito será bastante pequena. Pior: lance um desafio e estando à beira de o começar, descubra que algo grave em sua vida (uma dívida que você não lembrava, uma doença em algum parente querido...) não está como deveria e você verá a importância da "saúde mental" para a boa execução dos trabalhos.
Minha primeira corrida de 50 km foi um upgrade naquilo que os atletas/treinadores chamam de "calo mental". Você pode até estar preparado, fisicamente, para encarar o objetivo proposto, entretanto, se não estiver experimentado o suficiente, é bastante provável que irá desistir, pois seu corpo precisará de estímulos que não existirão. Se sua mente não estiver calejada o suficiente, ela aguentará poucos combates consigo mesmo e logo a vontade de desistir reinará. Se você não aprender a sofrer sozinho e se vencer, poucas experiências de glória lhe aguardam.
E é assim que finalizo esta breve reflexão, com o intento de animar você a se beneficiar dos exercícios físicos - não somente em matéria de saúde corporal, mas também mental. Sei que não é qualquer novidade, mas o fato de você ter precisar combater pensamentos como "desista", "olhe as pessoas nos carros - por que você está se esforçando?", "fique em casa assistindo televisão", "por que não uma pizza, em vez do exercício?", "agora chega: seu corpo não aguenta mais", certamente irá lhe trazer benefícios para muitas outras áreas e você se tornará mais forte mais encarar outros desafios que a vida lhe impor.
Não é à toa que nossos corpos se mexem, não é mesmo?
Notas:
[1] Clique aqui para ler (em inglês)
[2] Uma ultramaratona é qualquer corrida que tenha mais de 42,195 km. O autor resolveu correr a Grand To Grand Ultra.
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